A maconha está na pauta do dia. De qualquer dia. De qualquer mês. De qualquer ano. Em qualquer lugar.
É a apreensão de um carregamento de toneladas, que já não causa nem a surpresa de quando era pego um carro com alguns quilos. É a Suprema Corte, do Brasil e outros países, debatendo a validade das prisões a partir de determinados gramas. É o Congresso se dividindo entre os que projetam afagar todas as drogas, outros, só a erva maldita e quem quer tudo continuando como está, que é pra ver como é que fica.
O que não se pode é fingir normalidade, supor natural a multidão de jovens transformados em molambos, o presente e o futuro do país feito zumbis pelas calçadas. Não tem funcionado fechar os olhos para o aumento anual de 44,3% no número de dependentes químicos na Cracolândia do Centro de São Paulo e um percentual semelhante na média nacional. Aliás, nada que presta é escalável, à exceção da prova de que o crime é, de fato, organizado.
Quem acha que algo se resolve com passeata tem solução pronta para o mal do século anterior herdado pelo atual:
- legalizar a venda em farmácias, como atualmente é feito no Brasil para o tratamento de algumas doenças, ou em caixas eletrônicos, como em Nova York;
- endurecer as leis para traficantes, afrouxá-las para usuários e revogar qualquer penalidade se porta ou está consumindo exclusivamente maconha;
- incrementar a legislação para quem comercializa qualquer droga e para seus fregueses;
- tá tudo bem, bora manter o fluxo que vai dar tudo certo.
O item 2 é o queridinho da maioria, inclusive de congressistas e integrantes de tribunais. Breve, portanto, o fumacê será visto do espaço, como se a Amazônia das ONGs pegasse fogo conforme os relatos do Greenpeace.
Em setembro de 2023, o Datafolha divulgou uma pesquisa segundo a qual “1 em cada 5 brasileiros diz que fumou maconha” e chegam a 30% dentre os que têm até 24 anos. Enquanto nem os entendidos se entendem, a espiral do silêncio camufla os gritos de desespero de familiares e amigos.
Muito se tenta, pouco se consegue. A absoluta ausência de modelo único implode as esperanças de replicar o sucesso, com um plus –só tem surgido fracasso e este, sim, se reproduz mais que peixe-lua (300 milhões de ovos por vez). A comparação se justifica: são quase 300 milhões os que usam drogas no mundo, informa relatório da Organização das Nações Unidas, a ONU. Justificando o nome da banda de Marcelo D2, moramos realmente no Planet Hemp.
O que precisa ser global é a política de enfrentamento. Não adianta o Brasil mimetizar a experiência de Nova York e Los Angeles, que liberaram geral e o resto dos EUA foi todo para lá consumir. Virou um caos, como se deu com a Holanda, catapultada a Disneylândia da perversão. Agora, Portugal também está sendo crítico a essas medidas, cujo êxito foi cantado em todos os idiomas.
Se o Brasil descriminalizar uso e/ou tráfico de entorpecentes, será fundamental que o sigam os vizinhos de América do Sul, notadamente Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai. É vital entrarem num acordo, ou porrete completo ou liberação universal.
Se o Brasil for solitário no abrandamento, sediará problemas gravíssimos de saúde pública e de aumento da delinquência, principalmente o tráfico, além dos efeitos colaterais. Na falta do dinheiro para comprar a droga, porque não há quantia que chegue para isso, o usuário vai furtar, assaltar, matar, cometer 1.000 atrocidades para sair da boca com fumo, pedra ou pó.
É o caso dos cigarros. A política do governo é taxar e afugentar o consumidor com o preço alto. Inútil, pois o fumante compra aquele baratinho, contrabandeado do Paraguai, às vezes de baixa qualidade ou fabricado por aqui mesmo e levado para lá. Então, as medidas oficiais para tal finalidade se mostram absolutamente ineficazes, servem unicamente para arrecadar, afetam menos o tabagismo que foto de cadáver no verso dos maços.
A segunda coisa é que a venda legal de maconha será tributada (no Uruguai é isento, nos Estados Unidos chega a 40%) e esse imposto fará o preço da erva oficial superar o da clandestina, a das facções. Na antiga Cisplatina, 70% dos usuários adquirem dos traficantes.
Pululam divergências, porém algo não se discute: diferentemente de seus perseguidores, a maconha se fortalece tragada depois de tragada. Skank, que não é o do hit “É uma partida de futebol” nem o som do companheiro de Marcelo D2 no grupo, apelida a Supermaconha, 7 vezes mais prejudicial a corpo e mente que em sua origem.
Perde em horror para a novidade da noite nas boates, chamada na Folha de S. Paulo de “dry marroquino”, “maconha gourmet” e “maconha dos playboys”, porque suas vítimas têm condição de queimar R$ 500 por cigarro. O preço da “normal” varia de R$ 4 (a prensada) a R$ 65 (a flor) por grama.
Uma conta provável do peso foi apresentada pelo ministro André Mendonça em audiência sobre o tema no Supremo Tribunal Federal:
“Para considerar usuário, 10 gramas são admissíveis. Essa quantidade dá para fazer 34 cigarros. Se o sujeito sai de casa com 34 papelotes de maconha, vai fumar maconha bastante durante o dia, mas considero razoável que não seja considerado traficante. Já 25 gramas são 86 papelotes”.
Conforme a decisão do STF ou projeto que vire lei, a qual maconha se referirá? À tradicional? À Super? À gourmet? Se definirem pela mais comum, a qual espécie? À prensada, a pior, com todo tipo de impureza? À Colômbia, meia-boca? À flor, pura como saiu da selva? Tão variáveis quanto estão cocaína e assemelhadas.
Sobre os seres com elas envolvidos, são 300 milhões os nomes, com endereços tão diversos quanto, nos cemitérios, nas sarjetas, nas clínicas, nas cracolândias, nas UTIs, em casa acabando com a paz da família e com a própria vida.
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