É crucial não macular a honra de magistrados de Goiás que são decentes e competentes

Demóstenes Torres

Por um período, tive a honra de ser o interlocutor dentro do Senado Federal dos mais variados atores da cena jurídica nacional. Ministros, desembargadores, membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores do Estado, delegados de Polícia e tantos outros me procuravam para potencializar poder, instituição e categorias.

Lembro-me, particularmente, de ter sido buscado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal para sensibilizar o então governador de Goiás a criar a Defensoria Pública no Estado, já que aqui e Santa Catarina eram os remanescentes do vácuo institucional, pois os carentes eram atendidos por advogados dativos. Essa bandeira foi capitaneada por Anderson Máximo, então procurador do Estado, hoje desembargador.

Pintura O Grito, de Edvard Munch

Assim, tive a honra de conhecer o ministro Menezes Direito, primeiro atuando no Superior Tribunal de Justiça, depois no Supremo. Era o príncipe da gentileza. Ia buscar pessoalmente seus visitantes na garagem e depois os conduzia de volta. No gabinete eram tantas as mesuras que seus convidados logo percebiam que jamais poderiam retribuir esse tratamento.

Um dia, periódico especializado em fofocas e escândalos publicou um “furo” onde se “revelava” que o ministro, já no Supremo, utilizava salas vip do STJ, inclusive para parentes e amigos, além de outros benefícios, previstos num ato normativo interno do Tribunal, junto a Infraero. Era um amontoado de presunções e calúnias. O mais puro esgoto direcionado a afetar a honorabilidade de um homem de bem.

Fui visitá-lo, encontrei-o moralmente destruído. Disse a ele que aquilo não daria em nada. Ele objetou: “Já deu, as pessoas acreditam”. Em menos de um ano, entrou em profunda depressão, desenvolveu um câncer bastante agressivo e morreu.

Pintura de Remedios Varo

Na semana passada, o programa “Fantástico” trouxe uma “bomba”:  Padre Robson (Robson de Oliveira Pereira) teria pagado propina para desembargadores goianos a fim de ganhar uma demanda de terra, segundo “revelação” inserida num áudio fornecido ao programa pela própria Polícia civil de Goiás.

Na gravação, um canalha, Cláudio Pinho, que se intitula advogado, diz que precisa de 750 mil reais para ganhar a demanda, que era uma execução de dívida, tendo que pagar 500 mil para a relatora e distribuir o restante entre outros dois desembargadores.

Quatro questões se impõem
1

Quem é o advogado Cláudio Pinho? Liguei para vários advogados e se trata de uma espécie de “Conceição” (música de Jair Amorim e Dunga, imortalizada na voz de Cauby Peixoto): “Ninguém sabe, ninguém viu”. Duvido que ele tenha entrado em qualquer gabinete de um magistrado goiano;

2

Por que o advogado menciona três desembargadores, quando a composição naquele momento era de dois desembargadores e um Pinguim (termo que em Goiás se refere a juiz-substituto em 2º grau)?;

3

A parte adversária perdeu a causa definitivamente? Não, só se decidiu que o título executivo era ainda inexigível, abrindo a possibilidade para discussão em primeiro grau;

4

É crível se corromper toda uma Câmara com um de seus integrantes distribuindo um saco de dinheiro entre os demais?

Pintura de Edward Hopper

A história é bastante fantasiosa e tem como objetivo pressionar o STJ a destrancar uma investigação contra Padre Robson, jogada por terra pelo Tribunal goiano. Para tanto a nossa gloriosa Polícia Civil, utilizada no caso como “cavalo de Santo”, a serviço de “forças incultas”, não se importou em enxovalhar a honra de magistrados. O método lavajatista morre no Brasil, mas em Goiás está a plenos pulmões.

Embora não tenha relacionamento, conheço pessoalmente os três desembargadores.

Orloff Neves

Fui apresentado a Orloff Neves quando eu era promotor de Justiça em Goianésia e respondia também em Ceres, onde era ele titular. Professor na Universidade Federal de Goiás é um homem humílimo, sua principal diversão era jogar “canastra” e, se algum patrimônio oculto tem, deve ter ido pra Marte com a nova sonda espacial americana. Pela segunda vez é alvo de maledicência, sempre com conversa fiada de terceiros.

Roberto Horácio

Roberto Horácio, o pinguim, foi meu colega de faculdade. De vez em quando passava no fim do dia na casa de seus pais na Vila Nova, a caminho da escola, e comia uma inesquecível carne de porco frita na panela em grandes pedaços com mandioca à parte, feita por sua mãe que era grande cozinheira, como a minha. Intelectual refinado, sempre gostou de literatura, música, teatro. Tem o poder da concisão, escrever tudo em poucas palavras, claramente. Vive para suas filhas, não bebe e tem uma vida regrada e sem luxo. Que apareça alguém para lhe atirar uma pedra, sua vida é imaculada.

Amélia Martins de Araújo

Deixei por último a desembargadora Amélia Martins de Araújo por ser ela a relatora do processo em questão. É inatingível, inatacável e dona de uma imensa vocação para a magistratura. Se fosse paulista, poderia se dizer que é uma juíza “quatrocentona”, tal o seu grau de sisudez e seriedade.

Isso não vai dar em nada, mas já deu, como disse o ministro Menezes Direito. As pessoas acham que é verdade. A Polícia Civil investigou desembargadores (pode isso Arnaldo?) e não encontrou nada. Mas o plano deu certo, foi pedida a abertura de investigação no STJ, que resultará em arquivamento. E daí? “A dor da gente não sai no jornal” (Haroldo Barbosa).

Tenho medo de que aconteça com eles o que se deu com o grande Menezes Direito. É hora de reagir ao desânimo, ao desalento, à depressão, especialmente a mais atingida, que pode ser abençoada com os versos de Mário Lago e Ataulfo Alves: “Amélia é que era mulher de verdade”.

Demóstenes Torres é advogado. Foi procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Goiás e senador.