“(..) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Art. 225, p. 373, Constituição Federal, 1988, destaque nosso)
É plenamente sabido que o pensar sobre a importância das futuras gerações e o cuidado com o meio ambiente não são temas propostos recentemente, mas advém da desenfreada escalada mundial rumo ao desenvolvimento econômico, ao consumo frenético dos recursos naturais e ao crescimento populacional. Nessa linha temporal, séculos sequenciais trazem marcos históricos que delineiam as razões pelas quais o ser humano do novo milênio adota perspectivas e discursos existenciais mais harmônicos com o meio ambiente natural.
Em linhas gerais, o comportamento humano de infinitude dos recursos naturais teve início no século XVIII, com o surgimento das máquinas a vapor e, por conseguinte, o desencadeamento da “Era Industrial”, consubstanciada pela invenção dos automóveis e a queima de combustíveis fósseis. Em prossecução, tem-se o aumento dos graus Celsius em escala mundial e, em concomitância, as preocupações das grandes potências após a Segunda Guerra em alimentar suas populações sem parar de produzir. Os anos que se seguem trazem consigo a realidade da Guerra Fria e a disputa acirrada por crescimento e desenvolvimento tecnológico (EUA X URSS), bem como as ponderações sobre a produção de alimento que possam sustentar as mais de 7 bilhões de vida existentes em todo do planeta.
Em observância aos estrondosos números de crescimento e devastação ambiental, no ano de 1972, na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Ambiente Humano, surge a Declaração de Estocolmo na qual o mundo passa a reconhecer a necessidade urgente de preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Anos depois, o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) é desenvolvido a fim de tratar especificamente das questões relacionadas ao clima no contexto mundial. Por conseguinte, a Eco 92 é realizada na cidade do Rio de Janeiro e traz consigo a criação da matriz única sobre mudanças climáticas na qual os países industrializados se comprometem a reduzir a emissão de CO2..
É observável que as nações passam verdadeiramente a estabelecer agendas e compromissos conferenciais e gerenciais voltados para o desenvolvimento equitativo e para a manutenção de recursos naturais para as gerações presentes e futuras. No campo do Direito Ambiental Internacional, porém, tal conceituação sobre gerações futuras já havia sido trabalhada nas tradições e culturas indígenas, e em doutrinas islâmica e judaico-cristã. Locke, Marx, Cícero, Kant, Bentham contemporaneamente já haviam fundamentado e defendido a legitimidade do pensamento sobre a preocupação com as futuras gerações (CARVALHO, 2011).
Nesse contexto, as coalizões que norteiam a economia verde, especialmente o crédito de carbono – ou crédito de descarbonização, que é a redução da intensa emissão de dióxido de carbono (CO2) para o meio ambiente, causa principal do desequilíbrio na temperatura do planeta –, ampliam-se cada dia mais e países voluntários à adesão e implementação das regras de mercado imprimidas pelo Protocolo de Kyoto (1997) passam a configurar no cenário internacional rumo à manutenção das “florestas de pé”, a exemplo, o Brasil, com sua imensidão amazônica.
Assim, os países industrializados que não conseguem atingir suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEEs) utilizam-se do Comércio de Emissões, de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo e da Implementação Conjunta para financiarem o controle ambiental de outras nações não listadas no Protocolo, de modo a garantirem-se elencáveis no cenário mundial no tocante à manutenção de suas atividades comerciais: Princípio do Poluidor Pagador (PPP). Dessarte, através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Brasil passa a adotar a certificação de projetos comprometidos com a redução de emissões de GEEs e, posteriormente, vender Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) para os países ou organizações que emitem acima da meta de redução (GOULARTE; ALVIM, 2011).
De modo geral, é imperioso que se entenda o mercado de carbono como um mecanismo financeiro que oferece diversas vantagens comerciais, atuando em via de mão dupla, ao passo que o comprador tem custos menores em projetos sustentáveis nos países em desenvolvimento e, por conseguinte, o vendedor adota estruturas de fonte de recursos seguras para investimentos. De acordo com o Banco Central do Brasil (2010), faz-se necessário, contudo, esclarecer que, no âmbito dos MDLs, existem dois mercados de crédito de carbono: o Regulado e o Voluntário. O primeiro trata de estruturas reconhecidas pelo mercado e possui maior retorno na comercialização dos créditos. O ponto negativo do mercado regulado é que os projetos têm custos mais elevados à medida que seguem as limitações impostas pelo Protocolo de Kyoto. O Voluntário, por sua vez, é mais flexível, não possui limitações impostas pelo Protocolo e há viabilidade para desenvolvimento de projetos de pequeno porte. Ao mercado voluntário falta, porém, padronização definitiva e universal, ou seja, uma espécie de Guia de Financiamento Climático.
No que concerne a natureza jurídica dos créditos de descarbonização no contexto brasileiro, é necessário salientar que a Lei n. 12.187/2009, que trata da Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, estabelece que os Certificados de Redução de Emissões (CREs) são denotados como valores mobiliários, ou seja, negociáveis nas bolsas de valores, entidades de balcão organizado e bolsas de mercadorias e futuros. Assim, o conceito de Produção Mais Limpa (PML) passa a ser adotado significativamente pelos mais diversos segmentos da gestão empresarial. Nessa perspectiva, no contexto Brasil, o mercado de crédito de carbono tem atraído ramos empresariais com objetivos variados, isto porque algumas organizações preocupam-se em reduzir emissões para gerarem créditos e estarem vinculados à ideia de “ser uma empresa verde”; e outras, entretanto, contam com esse mecanismo de mercado como uma forma de reduzir seus custos.
Mediante panorama descrito, o Amapá, estado mais preservado do Brasil, desponta como valoroso parceiro comercial em todos os aspectos correlatos ao processo de descarbonização. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o estado já se encontra apto para captar recursos no mercado de créditos de carbono. Inclusive, representantes amapaenses em diversos segmentos estiveram presentes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP – 27), em 2022, a fim de buscar possibilidades de atuação na legislação ambiental brasileira que permitam cada vez mais segurança jurídica nos modelos de financiamento de RCEs. No mesmo evento, o estado do Tocantins apresentou resultados práticos e relevantes sobre o mercado de crédito de carbono, através de parceria com empresa Suíça de Óleo e Gás.
O fortalecimento do Brasil na economia do baixo carbono não somente contribui para o mercado de capitais brasileiro, mas demonstra para o mundo que o país busca um aprendizado de respeito para com os limites da natureza, sentimento indispensável para a existência das próximas gerações. A Amazônia brasileira, com seu grandioso “tapete verde” anseia fervorosamente em transformar cada vez o mercado de crédito de carbono em um processo prático e desburocratizado. Outrossim, enquanto membro do Consórcio da Amazônia Legal, o Amapá trilha caminhos seguros juntamente com seus estados pares, com intuito de garantir estratégias claras e responsáveis pelos custos de serviços ambientais e certificações.
Euridece Pacheco Ruella
Prof.ª. Ms.ª em Direito Ambiental e Políticas Públicas
CEO da Empresa Polítika Assessoria Institucional
Antonio Roberto de Souza Góes
Tenente do CBM/AP, Pós-Graduado em Gestão Pública
CEO da Empresa Polítika Assessoria Institucional
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