Radicalismo impede o Brasil de explorar a Margem Equatorial e angariar recursos para proteger o Pantanal, escreve Demóstenes Torres
O francês Augusto Leverger chegou ao Brasil em 1824. No ano seguinte, já era 2º tenente e entrou para a história deste lado do Atlântico por diversos motivos. O mais prosaico deles foi ter sido acompanhado por 4 objetos voadores não identificados, enquanto comandava como capitão de fragata uma barca canhoneira rumo ao Paraguai.
Houve testemunhas, inclusive um ministro do governo com quem conversou em Assunção. Seu relato completo, em 1ª pessoa, está na Gazeta Official do Império de 26 de novembro de 1846. Na República, surgem desses também, os ovnis e os ministros. Raridade é aparecer um Leverger.
Exatamente 2 séculos depois, a pátria buscada por Augusto ainda olha para cima para ver discos com alienígenas, enquanto o futuro está logo ali à frente, na Terra mesmo. Ou no oceano, na Margem Equatorial. O marinheiro se encantou por um lugar e uma pessoa, nessa sequência de linha do tempo, não do encantamento.
Na guerra do Paraguai, o francês já estava tão nacionalizado que liderou a resistência aos invasores e manteve a integridade do povo e da província, sobretudo os acessos pelo rio Cuiabá.
A pessoa de sua adoração foi Mariana, integrante de tribo local. Se hoje persiste a discriminação, pense à época. Descrita como linda e apaixonada, também pela aldeia certa e o homem “errado”, a indígena se revelaria empreendedora, preservacionista e excelente negociante. Meio mundo era contra; a outra metade, idem; 100% ignorando ser vã a batalha contra esses desígnios.
A vitória do amor dos 2 foi tão significativa quanto a do Brasil no conflito internacional de que ele é um dos mais celebrados heróis, conhecido pelo nome do título que o imperador Dom Pedro 2º lhe outorgou, o de barão de Melgaço, escritor de 35 livros, duas vezes governador (presidente da província) do Mato Grosso.
O romance shakespeariano teve final feliz e pós que celebra o casal. Ela é nome de inefável baía no pantanal mato-grossense. Ele batiza o município da baía de Siá Mariana que abriga a pousada igualmente xará da amada.
A baía é um daqueles pedaços do Brasil que Deus fez pessoalmente, no fim da tarde de domingo, descansado da semana de trabalho, delineando cada raio do pôr do sol. Aqui, no deck da pousada, com um olho no teclado e outro no horizonte, agradeço a criação e a evolução enquanto ergo a voz em memória de Augusto e Mariana, o barão e a sinhá, ou siá, como o povo a denomina.
A indígena e o marinheiro defenderam as águas da região. Em sua ausência, elas estão sumindo. Um breve sobrevoo pelo Araguaia aciona a vontade de chorar. Praias onde deveriam estar as águas de março fechando o verão.
Lutei muito pelo rio quando fui procurador-geral de Justiça de Goiás, secretário de Segurança Pública e Justiça, além de senador e fã. Pedi socorro. Levei ministros e congressistas. Apresentei projetos. Batalha sem fim. O mal só não pode ganhar a guerra.
A gente atravessa para o Mato Grosso, logo vem o Pantanal. Permanece o espetáculo que embevece as vistas em choque com a lembrança que aperta o coração sem abraçá-lo. Cadê as planícies inundadas? Muita gente acreditou no turismo, investiu, todavia, entrou areia nos negócios.
Os novos admiradores dos presentes deixados pelos céus, e a referência não é aos ovnis, mantêm a guarda fechada em prol do patrimônio herdado dos habitantes originários. É gente como o médico José Ricardo de Melo e o administrador Raimundo Bispo Júnior, que fazem da pousada Siá Mariana um forte eficaz tipo o norte-americano apache, bonito tipo o… Não há edificação comparável a esse naco do éden, hotel dentro de um antiquário, onde tudo exala respeito à história.
Os pianos, os móveis, peças do século 17. Naquele trecho ali, perto dos contêineres reciclados em aprazível piscina a sinhá e seu marinheiro namoraram do pôr ao nascer do sol, com um luar de cinema a clarear as certezas e obnubilar as dúvidas.
José Ricardo chegou ao Mato Grosso jovem como Augusto Leverger. Então recém-formado, em 7 anos abriu um hospital que tinha tantos funcionários quantos eram os sócios, 6. Em 2019, ao vendê-lo, eram 1.800 profissionais a serviço da saúde.
Nada de se aposentar. Iniciou moderníssimo serviço de telemedicina, contando até com o programa Dr. Estrada, cuidando do caminhoneiro onde ele estiver. E o doutor José Ricardo, onde está? Em casa. A casa em que recebia familiares e amigos, às margens do Cuiabá, virou a pousada-boutique para quem quiser se certificar da existência de Deus, o autor da obra. Integra o projeto Asas, área de soltura de animais silvestres. Se pescar, tem de devolver o peixe a seu habitat. Até esse dourado maravilhoso que fisguei agora.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diferentemente de sua quase homônima Mariana, precisa se preocupar com os córregos onde eram rios, a poça onde era pântano, as aves que vinham em bando e vêm em dupla. Siá lutou por seu amor, que era plural.
Leverger, objeto da adoração, compunha um conjunto com as águas, os bichos, os ribeirões e os ribeirinhos. O barão de Melgaço amou a baía e a nativa que hoje a nomina. Se estivesse aqui, desensarilharia as armas de seu navio a exigir consciência e conscientização.
Juma, a da novela recordista de audiência em 135 nações, se transformaria em onça e partiria para a jugular de quem reduziu em 80% a água do Pantanal desde meados dos anos 1980. Repetindo: da superfície de água do Pantanal, restam só 20%. Não adianta a ministra voar pelos continentes como os ovnis do Paraguai, apresentando um Brasil do Almanaque Capivarol. Chega de amalucados mexendo com coisa séria.
Se o berço de Siá Mariana é uma baía com pousada celestial, a casa do barão de Melgaço em Cuiabá abriga o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e a Academia Mato-Grossense de Letras. História casada com literatura. A criatividade dos ficcionistas bolou personagens da novela portadora dos grandes prêmios do planeta.
Porém, o poder de imaginação perde para o poder de destruição, inferior apenas ao poder do criador, que fez do Estado inteiro um ponto de cultura e turismo de 900 mil km², superando França e Itália somadas. Dependendo do pesquisador, do material e do critério de análise, são de 136.738 km² a 168 mil km² de pantanal, 65% no Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso, segundo a Embrapa e o Inpe.
Aquela faixa ali já foi Espanha, no Tratado de Tordesilhas. Poderia falar guarani, não fosse o destemor de militares do nível de Leverger. É Brasil, fala português e aguarda soluções práticas, não piruetas de ETs.
Falta a ministra abandonar o radicalismo que está impedindo o Brasil de explorar petróleo na Margem Equatorial, inclusive para angariar recursos e proteger o Pantanal.
E aquela onça ali, a poucos metros da canoa? Não, não é a Juma, é mais um bicho entre milhares que a gente vê aqui no Mato Grosso, ao contrário dos demais destinos. O destino de animais e águas vai melhorar se Marina se inspirar no amor de Mariana à terra.
1 thought on “O que a ministra Marina deve aprender com Siá Mariana. Leia agora o artigo de Demóstenes Torres!”