*Ricardo Rebelato
Antes de mais nada, sabemos a importância que tem o transporte ferroviário no Brasil. O setor ferroviário de cargas brasileiro movimentou em 2022 mais de 500 milhões de toneladas úteis e apresenta, em duas décadas de concessões, um crescimento de 98% na movimentação de cargas pelas ferrovias. Mas este não é o tema central a que me proponho a escrever.
É preciso frisar, que foi-se o tempo em que as ferrovias eram sinônimo de progresso populacional aos municípios brasileiros, quando as linhas férreas eram destinadas principalmente ao transporte de passageiros e, ao redor delas, as cidades construíam suas estruturas.
Num cenário completamente diferente do que víamos há décadas ou século passado, muitos destes municípios que antes se alegravam com a chegada de cada composição e que comemoravam a cada apito das locomotivas, atualmente, estas mesmas ações se tornam incômodo e insatisfação de boa parte dos moradores.
Falo com propriedade sobre este tema, porque vivenciamos isso aqui em Catanduva, no interior de São Paulo, cidade localizada a 386 km da capital paulista.
Aqui, temos três cruzamentos em nível que cortam a cidade entre bairros e centro. A saber Rua Florianópolis, XV de Novembro e São Paulo. Nestes três pontos pelo menos 20 composições passam a cada 12 horas e soam mais de 100 apitos neste período. O catanduvense perde em média 3,5 horas por dia enquanto espera o trem passar nestes três importantes cruzamentos no coração da cidade. Esta média foi calculada com base em um levantamento realizado pela Defesa Civil do município, em 2014, quando a quantidade de composições ferroviárias ainda era menor do que atualmente.
Mais grave que a interrupção no trânsito e a falta de mobilidade urbana, existe ainda o risco eminente de acidentes, de descarrilamentos, como já ocorridos em anos passados. Catanduva está inserida na Malha Paulista, cujo a RUMO Logística, detém a concessão – diga-se passagem, renovada com antecedência, num contrato até 2058. Neste traçado, a cidade tem a curva mais acentuada de toda a extensão da malha ferroviária (litoral paulista até a divisa com Mato Grosso do Sul) e o que faz com que a cada “viagem”, neste ponto específico, a composição tem de seguir numa velocidade extremamente baixa para evitar um descarrilamento.
Catanduva sofre com a linha férrea cruzando a área central da cidade. No entorno nada se solidifica. Os imóveis próximos se deterioram com mais facilidade, o comércio não se instala, restando edificações vazias usadas para o consumo de drogas e abrigo a pessoas em situação de rua. Uma realidade que estava prestes a mudar. Há 20 anos, Catanduva articulava a retirada dos trilhos da área central num novo traçado, bem distante do centro do município. Um novo contorno ferroviário e uma esperança de desenvolvimento para cidade.
Este contorno, composto por 18 quilômetros de trilhos, foi incluído no Plano de Renovação de Concessão da RUMO, como contrapartida de investimentos da concessionária. Assim como ocorreu com outros tantos municípios. O projeto para o novo traçado foi prontamente realizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), foram obtidas todas as licenças necessárias, como as ambientais para realização da obra e o prazo estipulado para o término deste contorno era previsto para 2025.
Mas, de um dia para o outro, a população de Catanduva foi surpreendida com uma alegação do governo municipal de que não haverá a realização do novo contorno, uma decisão em comunhão com a concessionária. Pelo contrário: obras serão realizadas, mas em vez de sair da área central do município, os trens passarão por viadutos e passarelas serão construídas para pedestres. Sem projeto ainda apresentado, sem mais esclarecimentos para a população, sem ouvir a quem é mais interessado na mobilidade e na modernidade do município, que é a nossa comunidade. Um desperdício de dinheiro público, dinheiro da União, um desrespeito a população e uma visão totalmente distorcida sobre a possibilidade de desenvolvimento tanto econômico como humano de Catanduva.
Volto a frisar, entendemos a importância do transporte ferroviário de cargas, um dos principais meios de locomoção utilizado para o carregamento do agronegócio, tão forte na nossa região.
Mas não há pontos positivos nesta mudança de projeto. Não dá para entender como a construção de viadutos – que irá levar muito tempo para ficarem prontos e prejudicarem ainda mais, principalmente o trânsito da nossa cidade – pode ser melhor que a realização de um traçado novo, em área desabitada, cujas as obras não interfeririam em nada na rotina do catanduvense.
E neste grande desabafo e inconformismo resta-nos, apelar para que a esfera federal esteja atenta às necessidades e interesse deste município. Não podemos permitir que o que já estava pronto, que já havia sido pago e com dinheiro público, seja simplesmente colocado em uma gaveta para dar espaço a algo que não trará o benefício que deveria.
Sobre o autor:
Ricardo Rebelato é empresário, nascido em Catanduva e em seus 46 anos, Rebelato dirige negócios voltados para as áreas: a produção de cana-de-açúcar, imobiliário e segurança.
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