Senador Humberto Costa afirma que vitória de Trump é um “alerta” para a esquerda brasileira e não descarta derrota de Lula em 2026

O senador Humberto Costa (PT-PE) concedeu uma entrevista exclusiva ao Metrópoles. O congressista respondeu a temas que envolvem a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, mudanças no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleição interna no Partido dos Trabalhadores (PT) e sucessão no Senado Federal.

Leia a íntegra:

Metrópoles: Senador, queria começar falando sobre a notícia da semana, que foi a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos. Como o senhor avalia essa vitória? Significa um alerta para o PT em 2026?

Humberto Costa: Olhe, naturalmente que todos nós recebemos com uma certa surpresa, porque se esperava que fosse uma eleição mais disputada e que o desempenho do Partido Democrata fosse melhor. Também foi recebida com uma certa apreensão, não por algum tipo de suposição, mas até pelas afirmações, promessas e os compromissos que o agora presidente Trump assumiu diante do país e diante do mundo.

Obviamente que o resultado lá tem que deixar para todos nós um sinal de alerta. Porque até bem pouco tempo o Donald Trump poderia ser considerado uma espécie de acidente na história. A eleição dele de 2016 e o governo de 2017 a 2021 foi na verdade, visto como um acidente de percurso. Mas agora, com a vitória que ele teve, com o poder do qual ele desfruta, porque ele vai ter a maioria na Câmara, a maioria no Senado já tem a maioria dos integrantes da Suprema Corte.

Então, todas as condições para fazer o governo que ele queira, como queira, ele tem hoje. Então realmente se vê com preocupação. E o alerta surge para nós, porque passamos por um governo com características muito semelhantes e a vitória do presidente Lula foi entendida por nós e por muita gente como um ponto final na experiência da extrema-direita no Brasil.

Já vimos que não é bem assim, mas podemos agora ter a convicção de que ela pode voltar, seja com o próprio Bolsonaro, se ele conseguir ter a condição de elegibilidade, seja por meio de alguém que represente esse projeto. Não que nós estejamos preocupados que Lula vá perder a eleição, não. Eu acho que isso aí seria uma avaliação muito precipitada e fora daquilo que nós estamos assistindo. Mas sem dúvida, nós temos que nos preocupar que não é uma hipótese inteiramente descartada.

Voltando aqui para o Brasil, o PT nas eleições municipais deste ano teve um desempenho um pouco aquém do que era esperado. Como o senhor avalia e o que é preciso fazer daqui para frente?

Humberto Costa: Veja, o PT, nós traçamos quando iniciamos o trabalho do grupo de trabalho eleitoral, um objetivo. Muita gente cobrava de nós, especialmente a imprensa, cobrava quantas prefeituras o PT vai fazer e nós optamos por fazer uma estabelecer uma estratégia em que nós não iríamos definir uma meta numérica. O que nós decidimos é que queríamos e tivemos um desempenho melhor do que aquele que nós tivemos em 2020, que deve ter sido e foi o fundo do poço para nós nas eleições municipais.

Então, se nós tivéssemos estabelecido uma meta de 300 prefeituras e fizéssemos 299, todos iriam dizer que o PT não cumpriu a sua meta. Então nós saímos aí de 183 prefeituras para mais de 245 nessa eleição. Eu sou meio ruim de gravar os números. Tivemos a oportunidade de disputar o segundo turno em quatro capitais. Em 2020, nós disputamos em uma e não ganhamos e nessa nós fizemos uma capital [Fortaleza].

Então, é óbvio que foi um crescimento moderado. Mas, para um partido que passou aí por volta de dez anos sob a mira da imprensa, sob a mira da extrema-direita, sob a mira de um segmento do setor Judiciário, eu acho que foi um resultado que nós podemos dizer que estava dentro das expectativas.

Senador, o mandato da presidente Gleisi à frente do partido termina agora no final do ano. No início do próximo ano, o partido deve se reunir para escolher o sucessor. Muito se fala sobre um nome do Nordeste ou do próprio prefeito de Araraquara, Edinho Silva. O senhor tem alguma preferência interna?

Humberto Costa: Primeiro, nós temos que fazer aqui um enorme reconhecimento à presidenta Gleisi. Ela foi uma gigante na condução deste partido. Conduzir o partido nos momentos mais difíceis da nossa história, no período da prisão do presidente Lula, de todo aquele processo que atingiu inúmeros integrantes do partido e que hoje o próprio Supremo Tribunal Federal tem declarado a ilegalidade daquelas perseguições que foram feitas contra várias pessoas.

Ela segurou muito bem. Ela também comandou o retorno do partido à Presidência da República com a eleição do presidente Lula em 2022, e conduziu a esse processo todo de recuperação do partido, que não é um processo fácil. Quem passou por tudo o que o PT passou. Nós estamos hoje num processo de reestruturação, de reconstrução. E ela fez isso muito bem.

E eu quero dizer que não considero que os problemas do partido sejam os problemas da direção partidária. Lógico que nós temos fragilidades, temos limitações. Muitos quadros do partido hoje já não conseguem mais ter a mesma militância ou foram tragados por essa perseguição histórica a qual o PT foi submetido. Mas eu acho que a direção não é a responsável pelos problemas que hoje nós temos.

Acho que os problemas são de uma profundidade maior. É um debate que nós temos que fazer quanto ao nosso projeto político, se é um projeto que está atualizado, se ele consegue falar com a nossa base social, a nossa base social tradicional ou não consegue falar, se nós estamos fazendo uma leitura correta da sociedade brasileira ou não, se esse nosso projeto continua potente ou não.

Então, essa discussão que nós temos que fazer, não é um problema de sair um candidato a presidente e entrar outro. Então, dentro dessa discussão, o PT, inclusive, não tem um viés regional na tomada dessas decisões. Tanto é que a Gleisi, ela é do Paraná, que é um estado onde nós já fomos fortes, mas hoje estamos bem fragilizados e não houve nenhum óbice em que ela fosse presidente do partido por conta disso, assim como não temos nada em relação a que seja alguém de São Paulo, do Nordeste ou de quem quer que seja ou de onde seja.

Agora eu tenho uma avaliação e acho que nós deveríamos levar isso em consideração. O PT, durante muitos anos, foi dirigido pelo segmento paulista do PT. Ainda hoje, se a gente for olhar, o governo tem muito mais ministros do PT que são de São Paulo do que de outros outros lugares, apesar de serem todas pessoas extremamente preparadas e competentes, isso não está em discussão.

Mas é importante dizer que o PT não é mais um projeto do Sul ou um projeto de São Paulo. Ele é um projeto nacional e hoje a maior força desse projeto se concentra no Nordeste. E significa que, de alguma forma, o Nordeste tem conseguido falar pelo PT e para o PT. Então porque é que nós não podemos levar isso em consideração também na hora de fazer a escolha de um presidente, na hora de fazer a escolha do maior número de dirigentes do partido?

Então, nada contra o Edinho, é um excelente quadro. Foi um excelente prefeito, foi um ótimo ministro, tem tudo para ser presidente do Partido dos Trabalhadores. Mas isso tem que ser uma construção. Não pode ser um grupo que define que é assim, que é assado. E se precisa da aprovação do presidente da República. O PT é um partido que depende muito da liderança e do peso do presidente Lula, mas também não há nenhuma briga em relação a isso.

Eu acho que no final nós vamos chegar a um consenso e conseguir construir um nome para presidir o partido em condições de fazê-lo bem.

Fonte: Metrópoles