Primeira fase do exame aplicado no domingo (5.nov.2023) briga com a tecnologia e tem show de militância, escreve Demóstenes Torres
As provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) parecem ter sido elaboradas pelo pessoal da 5ª série, mas as de 2023 bateram todo o recorde de baixo nível. Aplicada no domingo (5.nov.2023), a 1ª fase do exame simplesmente não consegue aferir se quem a ela se submete está apto a cursar o ensino superior ou a dirigir um sindicato.
Escolhem-se para capa dos cadernos de testes, ano após ano, frases de esquerdistas. Os da vez foram o grupo Racionais. Por infelicidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que elabora os absurdos do Enem, seu funcionário pescou do repertório dos rappers frases de autoajuda, distantes dos versos fortes que fizeram a fama de Mano Brown & cia:
- “Até no lixão nasce flor”;
- “A vida é desafio”;
- “É necessário sempre acreditar que o sonho é possível”;
- “Sou exemplo de vitórias, trajetos e glórias”; e
- “Você é do tamanho do seu sonho”.
Descabidas para embalagem de sopa, foram obrigatoriamente transcritas a mão, “com sua caligrafia usual”, por mais de 3 milhões de vítimas.
As escolhas toscas permeiam cada página com mais política partidária que panfleto de campanha eleitoral. Tudo ali é militância de cor, de gênero, ecologistas de sofá, indígenas, pró-deficientes, religião de matriz africana, loas a arte tribal e bastante LGBTQIA+. Os educadores Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira devem ter ficado com dó de nosso futuro. Stanislaw Ponte Preta teria uma fonte e tanto para o Festival de Besteira que Assola o País, o engraçadíssimo Febeapá.
Os autores das provas confundem a República Federativa do Brasil com a Federação Brasil da Esperança, formada por PT, PC do B e PV.
A prova de inglês tem tanta ideologia que se mistura a espanhol: refugiados lacrimejam em seus botes de borracha (questão 1), indo para Europa e Estados Unidos, jamais voltando, já que nenhum homem é uma ilha (5) e navega para Flórida, em que cada morador precisa comer as sobras do prato, a pedido do planeta (4), com risíveis escritórios que contratam sem diversidade (2) neste mundo empoderador de brancos que falam inglês (3). Não entendeu bulhufas? Nem eu. Nem ninguém.
Ideologia na de espanhol? Inteira. A letra de uma canção cubana lamentando a xenofobia no metrô de Barcelona com “un angel de color diferente” (1), a “representação da identidade cultural de um povo” (2), a manipulação de “cidadãos indefesos, dóceis e desinformados” que deveriam “todos los días marcar la línea de discurso, incidir em el debate” (3), o “olhar diferenciado para com o outro” (4) e o poema da costarriquenha que se aceita “Rotundamente libre,/ Rotundamente negra,/ Rotundamente hermosa”, reforçando “a identidade da mulher” que não nega sua voz, seu sangue e sua “piel valientemente negra” (5). Rotundo equívoco dos examinadores.
Se nas provas de língua estrangeira o idioma único é o esquerdês, calcule nas demais. Na de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, seja lá o que isso signifique, o show de militância continua. Na questão 11 (usa-se aqui a numeração do caderno branco), celebra o lançamento de “antologia antirracista de poetas estrangeiros em Portugal” com críticas, óbvio, porque os patrícios, segundo a poeta paulista Maria Giulia Pinheiro, “dizem que nosso português é errado”:
“Se a sua linguagem, a lusitana,/ ainda conserva a palavra da opressão/ ela não é a mais bonita do mundo./ Ela é uma das mais violentas”.
Coitado do português, o idioma, ele, sim, espancado sem cessar, virtual e presencialmente.
É a forma de o Inep desmentir Olavo Bilac, que chamou de bela a última flor do Lácio, e endeusar texto que “tematiza o preconceito em relação ao português brasileiro”, considerada na prova “uma das línguas mais violentas do mundo” só porque os portugueses implicam com quem a emporcalha, o que inclui o Enem. São diversas as falhas, que ocorrem até na transcrição de título de conto, que no livro é “Mais iluminada que as outras” e na prova, mais obscura que todas, perde o artigo.
Celebridades lembradas com aproveitamento de obra comentaram o Enem. Caetano Veloso praticou o sincericídio: confessou que não saberia responder sobre o que o Inep lhe atribui. Jurandy do Sax, atração turística na Paraíba, agradeceu a citação, todavia faltou dissecar as características do line up. As alternativas são tão herméticas e inúteis quanto inacessíveis a qualquer terráqueo, a ele, a Caetano, a Ravel do bolero que toca ao pôr do sol na Praia do Jacaré (que não é praia nem tem jacaré).
Personagens do exame não se bastam na obra. Têm de dedicar a vida às pautas que esquerdistas apelidam de “populares”. Com isso, perde o Brasil, pois o Enem não seleciona os aptos aos cursos. Perguntas e respostas pessimamente formuladas forçam o estudante que se preparou a empatar com quem nada sabe, equiparando por baixo.
Como o conteúdo é zero, aprova-se quem acompanha o raciocínio dos servidores de carreira da burocracia estatal –e essa gente só pensa em erguer bandeiras socialistas. Depois de passar, o aluno vai à universidade, que se for pública e federal em sua maioria corresponde aos memes de balbúrdia, pichação e qualidade deplorável.
Não se trata de combater a doutrinação, que cada lado impinge ao alcançar o poder. O problema é de Custo Brasil. O profissional que hoje busca mercado é o que meia década atrás superou o Enem. O Tribunal de Contas da União informa: em 2020, o governo federal torrou R$ 128 bilhões em educação.
Então, R$ 640 bilhões depois, 1 milhão e 100 mil diplomas pendurados nas paredes (são 220 mil formados por ano nas federais) e 81% da mão de obra é desqualificada (pesquisa ManpowerGroup na CNN, 2022). Ou seja, o país queima fortunas com órgãos como o Inep e está impedido de evoluir porque a educação é “inepta”. Não forma nem transforma, só deforma.
Foi esse o tema da redação do Enem. Claro, com outro viés, pois o axioma se concentra num micrográfico estarrecedor: por semana, homens se ocupam de afazeres domésticos durante 11 horas e as mulheres, 21,4 horas. Como uma nação quer se desenvolver diante de tamanho disparate? Que machista é esse que levanta de madrugada para ir ao serviço e não volta na hora do almoço para lavar a louça?
Você tem 30 linhas para escrever o que o pessoal do Inep quer ler sobre o “enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Jovem só vai ser engenheiro ou médico se saciar a gula desses professores (que, aliás, não dão aula há trocentos semestres letivos) por frases feitas. Tais chavões abrem a porta do abismo nacional.
As vítimas do Inep voltam ao matadouro no próximo domingo (12.nov.2023). Torçamos por provas capazes de aferir conhecimento, não o grau de militância. Mantido o padrão das aqui analisadas, o recado para os pais é “em vez de procurar os melhores colégios, vão atrás dos diretórios do PT” e, para os alunos, “deixem de estudar e fiquem o dia vendo vídeos de lacradores”.
Numa tirinha de Laerte, uma mulher segura a lâmpada do gênio: “Eu queria poder”. “Força? Visão de raio X? Telecinese? Telepatia?”, interroga o aprisionado. Ela responde: “Poder político”. Pronto. Leu a mente do examinador: o Inep quer poder político. O enunciado diz que “a charge ilustra um anseio presente na sociedade contemporânea, que se caracteriza pela”… e começam as 5 alternativas. Duvido que o Inep a aponte como a verdadeira, porém a correta é: conivência em interesses partidários.
Como foi redigido durante a pandemia, o exame distribui agulhadas na gestão bolsonarista, englobando máscaras, vacinas, golpe militar e as batalhas de seus aliados. Numa das perguntas está a taxa de fecundidade: em 1960, dez mulheres tinham 63 filhos; de 2020 a 2050, as mesmas 10 terão 15,4 vezes menos.
Do nada, o Enem apresenta como justificativa “determinante para mudar o indicador”: a “flexibilização legal da prática de aborto”. Se o examinando for favorável a punir a interrupção de gravidez, vai ficar prenhe de incertezas.
Assim seguiu a tarde de horror dos estudantes. O Enem briga com a tecnologia, é contra a inteligência artificial, que “está vindo atrás de você” e vai tomar o seu emprego. Demoniza os agricultores, que aliás plantaram as árvores derrubadas para se industrializar o papel das anacrônicas provas.
Enumera os degradadores do solo, dentre os quais as ferrovias (esse pessoal do Inep passa férias na Europa), mineração (de onde vai tirar areia para erguer os prédios da burocracia?), irrigação (eita, se eles soubessem que um grão produzido em lavoura brasileira tem mais defesa do meio ambiente do que todos os ministérios…), superpastoreio (e ofereceram picanha…). Enfim, haja espaço para comentar os infindáveis desatinos, mas perdi duas horas lendo as provas do Enem. 240 minutos lendo, sem responder. Imagine a angústia dos alunos diante de tamanho amontoado de bizarrices esquerdistas.
Pelas referências contidas nos créditos de imagens e excertos, viu-se que as provas de agora foram elaboradas no 2º semestre de 2021. Então, preparem-se para o Enem 2025 louvando o humanitarismo do Hamas.
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