A criminalização da corrupção privada. Leia agora o artigo do Dr. Thiago Costa!

Lei Geral do Esporte introduziu no Brasil delito que pode abrir caminho para incriminar suborno em outros setores da economia

Pense, caro leitor, nas seguintes situações hipotéticas:-O colaborador de uma grande companhia, ao ficar responsável pela contratação de fornecedor de papel A4, exige o pagamento de determinada quantia “por fora” para fechar o negócio com certa empresa;

-O professor de uma universidade privada recebe uma quantia em dinheiro para aprovar determinado aluno que não atingiu a nota mínima necessária.

Não se trata, óbvio, da corrupção passiva/ativa prevista nos artigos 317 e 333, respectivamente, do Código Penal, pois se encontra dentre os crimes contra a administração pública. Como nas situações propostas não há a atuação de qualquer agente público, é impossível configurar tais tipos penais.

Em países como Reino Unido, Alemanha, Suíça, Áustria, França, Portugal, Itália, Espanha, em alguns lugares dos Estados Unidos e até determinadas nações da América do Sul, a corrupção privada já consta no rol de crimes.

O Brasil promulgou e assinou, por meio do Decreto nº 5.687/2006, a Convenção contra a Corrupção das Nações Unidas, a qual dispõe em seu artigo 21 que cada Estado que a integra deve considerar a possibilidade de criminalizar o suborno no setor privado. Como se vê, o documento não obriga o Brasil a criar o crime, apenas a analisar a possibilidade de criá-lo. A demora do Congresso Nacional de quase duas décadas, portanto, não tornou o Brasil inadimplente.

Não se pode desconsiderar o fato de que foram propostos, na última década, diversos projetos de lei sobre o tema. A título de exemplo, tem-se no Senado o PLS 236/2012, PLS 455/2016 e PL 5895/2016.

Somente no último 14 de junho passou a vigorar o primeiro crime de corrupção privada no Brasil, aplicando-se estritamente ao setor esportivo. Trata-se da Lei nº 14.597/2023, intitulada Lei Geral do Esporte.

De acordo com o seu artigo 165, passou a ser crime “exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de organização esportiva privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou de omitir ato inerente às suas atribuições”. A pena prevista é de reclusão de dois a quatro anos, mais multa.

A intenção do legislador, com isso, foi introduzir elementos de governança e transparência na gestão das entidades esportivas nacionais. E não é sem motivos. Na última década, eclodiram diversos escândalos nesse setor, dentre os quais podem ser citados dois de repercussão mundial.

O caso da Federação Internacional de Futebol – FIFA, deflagrado em 2015, é considerado o maior escândalo de corrupção da história do futebol no planeta. O “Fifa Gate”, como ficou mundialmente conhecido, teve grande repercussão no Brasil, envolvendo, inclusive, a Confederação Brasileira de Futebol – CBF – e a própria seleção nacional. Desde então, houve alterações nas lideranças da FIFA, da Conmembol, a poderosa entidade do futebol na América do Sul, e da CBF.

Outro caso recente é o escândalo de apostas esportivas no Campeonato Brasileiro. Atletas e apostadores estão sendo investigados por supostamente manipular jogos e praticar ações indevidas dentro de campo (tomar cartão amarelo/vermelho, cometer pênalti etc.). A Operação “Penalidade Máxima”, liderada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, ganhou as páginas policiais dos principais veículos de informação do Brasil.

Como demonstram os dois (maus) exemplos mencionados no início deste artigo, a prática de corrupção privada não está apta a ocorrer somente no setor esportivo. Todos os setores da economia estão suscetíveis a essa conduta. E, ao que parece, o legislador brasileiro está mais empenhado em combatê-la.

A intenção, aqui, é mostrar para o leitor o cenário mundial e nacional da matéria, a fim de mantê-lo bem informado acerca dos últimos acontecimentos, bem como do que pode acontecer em um futuro próximo. Pode-se discutir a necessidade – e até a constitucionalidade – da criminalização da corrupção privada. Esse debate, porém, é assunto para outro texto. Aguarde.


*Thiago Costa dos Santos, mestre em Direito Constitucional, integra o escritório Demóstenes Torres Advogados, nas bancas de Compliance e Direito Penal Econômico.