Só resta concluir que o mar de digitais influencers, de fato, influenciou a onda dos sambistas rumo a alguma fossa séptica oceânica
Pouco tempo atrás, a grande notícia do Carnaval era a nudez. Muito tempo atrás, o assunto se resumia à qualidade dos sambas, à beleza das escolas em desfile, ao gingado dos passistas, à chave da cidade com Rei Momo e à animação em blocos, bailes e matinês. Neste ano, por falta de samba, foi a discussão entre as cantoras Ivete Sangalo e Baby do Brasil, que anunciou a chegada do apocalipse e o arrebatamento “entre 5 e 10 anos”.
Diante do nível da festa, fica difícil duvidar da pastora, ex de Pepeu Gomes e de Casagrande, o que não é pouca coisa para uma existência de 71 anos.
Não se sabe o que Baby tinha na cabeça ao fustigar Ivete, principalmente depois de ter sido levada por extraterrestres em 1999. O certo é que os alienígenas lhe fizeram um bem danado antecipando o fim do mundo, pois se morassem na Terra tratariam desse tema no pretérito. O mundo já acabou, nós é que não queremos perceber ou você aí bebeu pouco.
Eterno, o trio Edson Conceição e Aloísio Araújo (escrevendo) e Alcione (cantando) roga que impeçamos a morte do samba, pois dele era feito o morro. Pelo menos durante o Carnaval, não foram obedecidos. E o morrão, não é segredo, foi feito de funk, hip hop e segue o beat.
No antigamente denominado tríduo momesco, admiravam-se as lindas fantasias, as escolas deslumbrantes, as letras maravilhosas dos sambas-enredos e as musas, o que levou o agora rei Charles a se render aos encantos de Pinah. Outros ritmos tomaram conta dos espaços, alguns lotados de pornografias e apologia ao crime. Topless foi escândalo; nudez total, idem. Agora, exibir corpo às 2 da tarde ao vivo não choca nem os conservadores.
A audiência dos desfiles de Carnaval vem caindo e a transmissão na TV aberta está assombrosa. Ninguém liga mais nem para a profusão do que antes era de deixar vermelha até cara sem vergonha. A vencedora no Rio neste ano, a Viradouro, foi denunciada porque uma de suas integrantes dançou com os mamilos à mostra (seios estão liberados, menos os mamilos). Quem taí pra isso? A comissão da liga que organiza o Carnaval sentenciou ao lado de Dona Ivone Lara: o samba não pode parar.
Tudo bem, sou sessentão saudosista e, junto com Paulinho da Viola, “há muito tempo escuto esse papo furado dizendo que o samba acabou”. Ainda não é a Missa de 7º Dia, mas precisa de reza brava em prol da festa original. Fica difícil discernir se os vídeos à disposição no YouTube são esquetes esculhambando os blocos ou se são realmente… os blocos.
É arrastão. É violência contra a mulher. É briga generalizada. É uma Ivete para cada 50.000 Babys e um trio-elétrico para cada frota de ovnis.
Vila Isabel reapresentou samba de Martinho da Vila de 1993 e centenas de outros compositores vieram a público nas competições paulistas e cariocas. E nada. Caricatura sem graça de uma época politicamente correta e sabidamente errada. Nenhuma frase à altura sequer do próprio Martinho, o inigualável de Vila Isabel. Nem em loas à própria Alcione, homenageada pela Mangueira.
As poesias eram de tal relevância que com “Aquarela brasileira”, versos de Silas de Oliveira, a escola Império Serrano pegou o 4º lugar em 1964. Com esses aí de 6 décadas depois, teria sido rebaixada a cordão dos puxa-sacos na Baixa da Égua e motivado o golpe militar no mês seguinte.
Paulinho da Viola diz que “samba é alegria” e quem alegrou a galera foi uma moça negra, de comunidade do Rio de Janeiro, com gingado, suor e ouriço, como se dizia. Ela mesma, Anitta. Dela tudo se diz o tempo todo. Durante o Carnaval, inclusive. Seu bloco arrastou de uma vez, segundo a RioTur, 800 mil foliões indo até o chão no Movimento dos Sem-Samba. Se a TV não transmitir, terá um traço. Se Cartola visse, teria um troço. Se Madame Satã visse, teria troco. O que Anitta diz? Sabe-se lá. Qual o ritmo? Ninguém está interessado nisso.
Em Olinda-Recife e Salvador, nos bailes de clubes, nas ruas, a mesma massa encefálica balançando no vácuo da caixa craniana. Aquilo ali não é drone filmando o beijaço das celebridades, são os cérebros em fuga. Só resta concluir que o mar de digitais influencers, de fato, influenciou a onda dos sambistas rumo a alguma fossa séptil oceânica.
O principal sucesso de Anitta no Carnaval evoca Baby, pois promete levar o eu-lírico para “outro planeta”, já que:
“É no baile de rua que ela se acaba,
Ela fica maluca, toda assanhada”.
Eu-lírico, tu delírico e afasta os livros que eu quero passar.
Ivete respondeu a Baby com seu hit “Macetando”, acompanhada de Ludmilla:
“Tão iludindo a cidade
Elas não são brincadeira
Todas carinha de baby
Mas gostam da bagaceira”.
As “poderosas viciadas em problemas” permanecem distantes dos protagonistas de Sampa e Rio nos carnavais históricos. Seria bom se significasse algo. Nem o samba morreu, nem foi atravessado pelo trio elétrico Lud/Ivete/Anitta, nem haverá arrebatamento daqui a 5 anos (até Baby, que foi abduzida, devolveram).
É o que há para o momento. Quem é do samba não sai. Quem é bamba não trai. O pessoal que se diverte nos blocos e nos desfiles das escolas vai pelo som, sem se importar com qual, com qual idade, com qualidade.
A dedicação às escolas, não só às do eixo Sudeste–Nordeste, se comunica de pai para filho. É uma herança como o idioma. Ninguém tira. Os abnegados das comunidades vão continuar dedicando o ano a fazer a roupa de passista. Ninguém abandona. Jovens vão manter o sonho de ser mestres-salas e porta-bandeiras, destaques, integrantes da bateria, turma da composição. Não é o samba ou o funk. Os 2 são do morro. Deixa a Anitta. Deixa a Ivete. Deixa a Lud. Deixa a Baby, mesmo surtada. Para elas, e geral que gosta da bagaceira, tudo se acaba não daqui a 5 anos, mas na 4ª feira. Para quem é do samba, são 365 dias de bamba –366 neste ano.
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