A melhor maneira de homenagear Paulo de Tarso Vieira Sanseverino é minorando o sofrimento do próximo.
Paulo de Tarso influenciou Santo Agostinho e Tomás de Aquino. Espalhou para o planeta o nome de sua cidade natal, na Turquia, e ganhou xarás nos países cristãos. Um deles, o gaúcho Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, honrou com todas as letras e atos a fé do original. Cristão na prática. Na pregação, igualmente, mas na prática, sobretudo.
Os 2 Paulos, o de Tarso e o de Porto Alegre, tinham muito em comum, com destaque para a adoração a Jesus, o Cristo. O Cristo dos desvalidos. Dos necessitados de pão, amizade, justiça, rendimento, palavra. Da Palavra do Senhor. Por isso, os 2 a semearam. O de Tarso, pelo Mediterrâneo e alcançou os lados do Atlântico. O de Porto Alegre, pelo Rio Grande e alcançou os mundos real e virtual. Pouco antes de atender ao chamado do Pai, no recente 8.abr.2023, ainda enviava por WhatsApp a liturgia diariamente. A enfermidade atingiu-lhe o corpo, o espírito voou intacto, são e salvo, para a Glória de Deus.
O homem religioso integrou a Justiça, desde a juventude, como concursado do Tribunal Eleitoral de seu Estado e culminou como ministro do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral, com sensibilidade ancorada na razão. O que fez no espaço entre os cargos vale uma existência, pois melhorou milhões delas. Nasceu logo após o pai, o benemérito José Sperb Sanseverino, ser eleito vereador em Porto Alegre. Sua ascensão aos Céus, em agosto passado, entristeceu Paulo. Sperb foi também secretário municipal e estadual, deputado e presidente da Assembleia Legislativa, procurador e o cargo que mais o orgulhava, o de provedor da Santa Casa de Misericórdia da capital gaúcha. Então, fazer o bem é tradição dos Sanseverino. Nesse ambiente de servir, Paulo cresceu em variados sentidos, principalmente no mais nobre deles, o de se convencer a servir.
O casal Sperb e Maria Thereza de Jesus Vieira Sanseverino criou um Paulo como o de Tarso. Na síntese elaborada pelo pai, “servir ao Estado, à família, à fé”. Servir sem servir-se. Paulo, em nenhum cargo ou momento, esqueceu-se da lição de José Sperb. Foi nessa condição que o conheci.
Depois de trilhar a 1ª vez rumo ao STJ, adiou o êxito e procurava novamente os senadores para se apresentar. Havia sido escolhido pelos tribunais de Justiça estaduais para vaga abertas no STJ. Vinha de um TJ que legou ao Brasil diversos estudiosos do direito brilhantes, inclusive na própria cadeira por ele buscada. As informações preliminares, que consegui com amigos gaúchos, eram animadoras. Humanista. Grande humanista, diziam. Seria sabatinado em conjunto com Isabel Gallotti, integrante do TRF1. Ele concorreu inicialmente com 48 desembargadores das várias unidades da federação; ela, com 22 juízes federais. Portanto, uma dupla vitoriosa me ladeou na sessão, que comandei como presidente da Comissão de Constituição e Justiça.
Fiquei no meio de uma sublime aula. Sanseverino e Gallotti deram show de conhecimento e sapiência, contemporaneidade, humildade. Anteciparam o que se veria nos anos seguintes no STJ: dois magistrados de altíssimo nível a serviço da evolução do Poder Judiciário e da sociedade brasileira. Uma prévia do patamar de ambos se teve já nos autores de pareceres: os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Marco Maciel (DEM-PE) elaboraram respectivamente os de Paulo e Isabel. Não é rotineiro uma Casa do Congresso reunir cérebros tão privilegiados como sabatinados e relatores.
Os futuros integrantes do STJ não quiseram lacrar, emitir opiniões fake apenas para contentamento da plateia. Mostraram-se corajosos, o que seria confirmado ao longo do tempo no Superior Tribunal de Justiça. Fiquei feliz quando se posicionaram favoráveis a uma Proposta de Emenda à Constituição que protocolei para eliminar impasses entre as Cartas Federal e Estaduais. No mais, foi ficar quieto e assistir.
Diziam que Paulo de Tarso era grande humanista. Confirmado. A identificação com as pessoas de bem emergiu de forma completa, pois a bondade é altamente contagiante. O mal prospera, porém, o bem supera. Comigo, a proximidade se revelou automática. Ele chegou a desembargador com 40, o mais jovem do TJ-RS; fui procurador-geral de Justiça aos 34, o mais novo do Brasil. Ele, desde guri, sonhava ser juiz; eu, desde criança, pretendi ser promotor –aliás, os 3 fomos do MP: eu e Sanseverino nos estaduais, Gallotti na Procuradoria da República.
Quanto a Paulo, além da empatia, o que convenceu a mim e aos demais naquela audiência de 7 de julho de 2010 foi o misto de cientista, com preparo fenomenal, e gente do povo, alheio ao elogio fácil, merecedor de elogios mil. Num gesto raro naquela época conflituosa de Grenal político, a CCJ os aprovou por unanimidade, uma unanimidade sábia.
“Ótima 4ª feira”, escreveu Sanseverino na última mensagem à qual tive acesso, saudação das demais, de teor edificante, mandadas pelo aplicativo. O rapaz que tanta solução levou aos necessitados nas Comunidades Eclesiais de Base manteve a militância como um caminho largo de recursos estreitos. O menino vocacionado para a magistratura fez história ao consolidar, com seu exemplo, o batismo de Tribunal da Cidadania para o STJ. O que falava era jurisprudência, o que escrevia tinha potencial de súmula vinculante.
Simples, definia-se: “A minha missão de vida é dedicar-me ao Judiciário”. Cumpriu. Com louvor. Investiu sua vasta inteligência em áreas que granjeiam pouca atenção e deveriam ser protagonistas. Falou que era um sonho haver o Código de Direito do Seguro. Cabe-nos, a seus admiradores, tentar com os congressistas votar a obra que vai aprimorar as relações jurídicas entre milhões de brasileiros. Já comecei a articular.
As inúmeras e belas mensagens em memória do ministro não podem se exaurir e a melhor maneira de homenageá-lo é minorando o sofrimento do próximo. Com uma frase, tipo as que Sanseverino postava e consolava a tantos, enchendo de sol o dia de todos. Com uma decisão fruto de sua visão social do Direito, aplicada desde os tempos de faculdade e em suas atuações no MP, na magistratura, nas salas de aula, nos conclaves, pois sua generosidade ilimitada combateu o bom combate contra a ignorância em seus variados sinônimos.
O homem gentil trabalhou incessantemente até próximo de subir para se encontrar com Aquele a quem mais amou, como amou a esposa, Maria do Carmo Stenzel Sanseverino, e os filhos, Gustavo e Luiza, os irmãos e os pais. O verbo está impreciso: não é “trabalhou”, mas “realizou”, pois viver o sonho de servir junto com a tarefa profissional é típico dos abençoados. Eis o que sintetiza uma relação imensa de adjetivos: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino foi uma bênção para quem recebeu de Deus o privilégio de conviver com ele, uma bênção para a magistratura, uma bênção para o Direito, uma bênção onde passou, uma bênção onde ficou, uma benção onde está, com o afeto de sempre, para sempre, o Paulo de Porto Alegre, o Paulo do STJ, o Paulo dos Pobres.
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