COVID-19: OMS diz que Europa tem situação pior

Neste momento, um ano após o início da pandemia, a história mais assustadora sobre a Covid-19 não é no Brasil. Nem no Texas, nos Estados Unidos, onde o tenebroso governador ainda finge que pode ignorar a pandemia até o esquecimento.

Em vez disso, a situação mais alarmante é na Europa. Lá, por razões que não estão claras, a pandemia parece estar nos estágios iniciais de ressurgimento. A Organização Mundial da Saúde na Europa anunciou em 4 de março que, após seis semanas em declínio, os casos no continente aumentaram 9% em comparação com a semana anterior – colocando o continente europeu novamente com mais 1 milhão de casos semanais.

Para ficar claro, “Europa” para fins de relatórios de saúde pública não é a União Europeia ou outra configuração, mas sim os 53 países da OMS-Europa, incluindo a Rússia, com uma população de mais de 700 milhões de habitantes. De acordo com a OMS-Europa, os casos de Covid-19 estão aumentando não apenas nas regiões do leste e centro da Europa, entre países como a República Tcheca (que tem um líder atual e um ex-líder que tentaram ignorar o vírus como se não existisse), a Hungria (idem) e a Polônia (idem), mas também a parte da Europa ocidental. A curva de subida está reaparecendo na Itália, França e outros países que já passaram por meses calamitosos na primavera passada.

Compreender o motivo desse aumento é essencial para os Estados Unidos e o mundo, enquanto nos preparamos para o que pode estar por vir. Até agora, as possíveis explicações para o aumento europeu caíram em duas escolas básicas de pensamento: aqueles que atribuem isso ao (mau) comportamento humano e aqueles que se concentram nas reviravoltas das variantes virais.

Tipos de psicólogos sociais, particularmente fãs do clássico “Extraordinary Delusions and the Madness of Crowds” (“Delírios Extraordinários e a Loucura das Multidões”, na tradução livre), do autor escocês Charles Mackay, certamente previram o bizarro movimento coronavírus refusenik e sua mitigação refusenik (definição de pessoa que se recusa a seguir ordens ou obedecer à lei) vindo do início da pandemia. Embora possa ter alcançado o apogeu nos Estados Unidos, a multidão que não usa máscara, não respeita o distanciamento e não se importa esteve ativa na Europa durante a pandemia.

Certamente, aqueles que alegremente queimam suas máscaras estão contribuindo para a continuação da pandemia, mas não é certo que seu número esteja aumentando. Além disso, o momento do ressurgimento na Europa – em meio à vacinação – levanta a questão de saber se os que ainda insistem em usar máscara estão começando a perder o entusiasmo à medida que mais e mais pessoas são alcançadas pelas vacinas e o fim das restrições parece próximo.  Uma onda de pessoas que relaxam cedo demais, um erro familiar da saúde pública, certamente pode levar a um aumento repentino de casos.

Talvez antecipando a fadiga da máscara, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos relataram na semana passada que os condados do país que exigiam máscaras tiveram menos casos de Covid-19 do que os condados que não o fizeram entre os meses de março e dezembro do ano passado.

Evidências claras e convincentes da eficácia da máscara conseguem fazer pouco para influenciar os refuseniks radicais, um grupo que parece desinteressado em fatos e números, mas podem inspirar aqueles que estão se esforçando para cumprir as regras atuais a aguentarem um pouco mais até que a ameaça esteja finalmente sob controle.

Ao lado dos cientistas comportamentais estão os virologistas avidamente pessimistas que tiraram a sorte grande às avessas com a identificação de tantas variantes virais, que correspondem por mais da metade dos casos atuais na cidade de Nova York. Para aumentar a mística futurística, as variantes não recebem nomes, mas números: B117, B1351, P1, CAL20C, entre outros, como se tivessem sido criados por uma série de quadrinhos de mestres alienígenas malvados. Na hora certa, cada relatório de variante viral é mais assustador do que o anterior, pois uma piora na transmissibilidade, na letalidade ou na ameaça à eficácia da vacina parecem possíveis.

Certamente, as variantes mais transmissíveis, como a B117, estão levando uma proporção do aumento na Europa, bem como nos EUA. Nossa compreensão da proporção exata de casos americanos de contaminação por certas variantes, entretanto, é prejudicada após a decisão descuidada, no ano passado, de inicialmente não determinar a composição genética dos isolados recuperados, como foi feito em muitos outros países. O CDC iniciou o teste genético sistemático nas pessoas isolados por causa da Covid-19 apenas em novembro, uma vez que a ameaça de variantes já havia sido detectada em outros países.

Embora seja tentador colocar a maior parte da culpa do ressurgimento de casos no vírus em constante evolução, esse enfoque perde completamente o ponto. Sim, estamos à mercê de um patógeno imprevisível – mas lembre-se, o vírus não tem direção, nenhum plano de cinco anos, nenhuma estratégia de carreira, nem malícia nem altruísmo em seu código genético, nenhum hábito favorito – na verdade, o vírus não tem ideia de qualquer coisa.

Ao contrário, a outra parte da equação hospedeiro-patógeno – o ser humano – tem a capacidade de fazer escolhas. O que as notícias da semana passada sobre a Europa e – possivelmente – aquele alarme acionado em algumas áreas dos Estados Unidos (como Nebraska e Dakota do Sul) estão nos dizendo é simples: o vírus sempre encontrará uma maneira de contornar as coisas – se tornar mais transmissível, menos controlável por vacinas, seja o que for.

Como tudo no mundo real, o controle da pandemia exigirá que as pessoas tomem boas decisões. Passamos a depender demais da ciência exta para nos tirar das confusões criadas pelo homem. Embora as vacinas sejam essenciais para nos mover rapidamente em direção a algo semelhante à vida normal, a única maneira de estabelecer proteção durável contra esse vírus, ou contra o próximo, é o fato de as pessoas tomarem decisões inteligentes e informadas e deixar a ilusão das multidões por mais um século.

Em resumo, não é um projeto muito promissor.

Nota do Editor: Kent Sepkowitz é analista médico da CNN. Além de médico, é especialista em controle de infecção no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York. As opiniões expressas neste comentário são dele. Ludhmila Hajjar diz que recusou convite para Saúde por ‘motivos técnicos’