Recentemente, os Estados Unidos autorizaram o uso da vacina da Pfizer contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos. A liberação ocorreu depois da conclusão de um estudo, ainda não publicado, com cerca de 2 200 participantes nessa faixa etária, que apontou uma eficácia de 90% da fórmula, sem efeitos colaterais importantes.
A farmacêutica já anunciou que pedirá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a ampliação do público alvo também no Brasil. Deve ser a primeira de outras. “Temos vacinas em fase final de testes com os mais novos, sendo que algumas já foram usadas com segurança em dezenas de milhões de crianças e adolescentes pelo mundo”, explica o infectologista pediátrico Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Só que, mesmo antes de chegarem aos pequenos, as vacinas já estão sendo vítimas de uma campanha difamatória. Diretores da Anvisa foram ameaçados para negarem a autorização para a Pfizer mesmo antes da formalização do pedido.
Enquanto isso, sites maliciosos e influenciadores divulgam notícias falsas sobre as vacinas, exagerando ou mesmo inventando mortes e reações adversas graves. O movimento, embora tímido frente à alta adesão dos brasileiros à campanha de imunização, preocupa os especialistas.
“A vacinação infantil é um prato cheio para a desinformação, porque decidir pelos filhos é ainda mais difícil do que decidir por si. Isso pode fazer com que as pessoas fiquem mais hesitantes e, portanto, vulneráveis às fake news”, aponta a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
Sendo assim, vamos a um compilado de informações importantes sobre o assunto.
Crianças precisam mesmo ser vacinadas?
Sim, por vários motivos. O principal é que, no Brasil, 2 400 crianças e adolescentes já morreram de Covid-19, sendo que a maioria (60%) não tinha uma doença ou fator que aumentasse o risco de versões graves da infecção. Para ter ideia, o número de vítimas é quase duas vezes maior do que o de todas as doenças preveníveis (sarampo, meningite etc.) somadas no período de um ano.
“Nos outros países, há muito menos mortes e hospitalizações infantis do que aqui, então entendemos que é um instrumento especialmente benéfico para nós”, compara o infectologista Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
De fato, é preciso reconhecer que a doença costuma ser mais branda no início da vida. Mas isso não quer dizer que ela não traga riscos. “Além de ser a doença evitável com vacina que mais matou crianças e adolescentes no país no último ano, temos também a Covid longa, que pode acometer os mais novos”, opina Kfouri.
No mais, há ainda a possibilidade de reduzir a circulação do coronavírus, chegando o mais próximo possível da sonhada imunidade coletiva. As crianças não são grandes vetores da doença, como se pensava, mas ainda podem passar seu agente causador adiante. “Em um momento de reabertura e volta às aulas, a vacinação reforça a segurança da retomada”, completa Kfouri.
De acordo com o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, a vacinação de um milhão de crianças evitará 57 mil casos de Covid-19 e 200 hospitalizações entre esse público. É por meio de cálculos de risco e benefício como esses que as autoridades sanitárias e médicas tomam decisões sobre o assunto.
Depois de analisarem todas as evidências, os norte-americanos e as entidades de outros países concluíram que o risco assumido quando uma criança se infecta pelo vírus é maior do que o de ela ter eventos adversos relevantes. “Se nos Estados Unidos o benefício supera o risco, imagine aqui, onde a probabilidade de morrer ao contrair Covid-19 é sete vezes maior do que lá”, aponta Kfouri.
E tem mais. No contexto atual da pandemia, as crianças podem estar mais vulneráveis. “Com os adultos e idosos amplamente imunizados, assim que chega uma nova variante, como a Delta, ou há uma explosão de casos local, o vírus se espalha com muita facilidade entre os não vacinados”, aponta o diretor da SBP.
Eficácia e segurança das vacinas da Covid-19 em crianças
Com razão, a maior preocupação dos pais é em relação à segurança do imunizante. “Estamos falando de vacinas novas, que não foram usadas ainda em larga escala nas crianças, mas, até agora, os estudos e dados de vida real mostram que o risco de eventos adversos é baixo, até porque a dose usada nelas é menor”, comenta Rosana.
Esse é um fator interessante. Como as crianças respondem muito bem às vacinas em geral, pois contam com um sistema imune ativo e funcional, é possível reduzir a dose. No caso da Comirnaty, produto da Pfizer, ela equivale a um terço do total do adulto.
Há ainda estudos sendo conduzidos com bebês e crianças menores, dos 2 aos 5 anos, com um décimo da dose completa, e outros que avaliam a possibilidade de usar uma única picada das vacinas de RNA mensageiro. “Em teoria, a quantidade menor deve estar relacionada a uma segurança ainda maior”, completa Rosana.
Já as vacinas de vírus inativado, como a Coronavac, que apresentam o Sars-CoV-2 morto ao sistema imune, foram testadas em estudos pequenos com crianças e já entraram em programas de imunização no mundo. “É uma tecnologia muito antiga e extremamente segura, então é uma alternativa muito interessante para esse público”, analisa Kfouri.
Argentina, Chile, China, Índia e Emirados Árabes Unidos estão usando vacinas desse tipo nos pequenos, a partir dos 3 ou dos 6 anos de idade.
Vale lembrar que o imunizante que protege da gripe, feito com o mesmo processo, é aplicado em bebês com 6 meses de vida. Outra coisa: mesmo depois da aprovação, as fórmulas seguem sendo monitoradas de perto.
Os eventos adversos dos mais novos
Até agora, eles são bem semelhantes aos dos adultos. Os mais comuns são passageiros e inofensivos: dor, vermelhidão e inchaço no lugar da aplicação, febre, dores musculares e de cabeça. “Nos estudos, não foram observados eventos graves, mas o número de crianças incluídas é pequeno demais para detectar as reações mais raras e preocupantes”, pondera Sáfadi.
Isso acontece com os adultos também, com qualquer vacina ou remédio. Os efeitos colaterais mais dignos de nota só aparecem quando milhões de pessoas recebem um composto.
No caso da miocardite e da pericardite, inflamações cardíacas que foram registradas em adolescentes que receberam vacinas de RNA mensageiro, como a da Pfizer, foram 50 a 60 casos por milhão entre meninos de 12 a 17 anos, geralmente após a segunda dose. “Nos outros públicos, como as meninas e meninos mais jovens, a incidência foi ainda menor”, aponta Kfouri.
“E não houve nenhuma morte relacionada a isso. A maioria dos registros foi leve e evoluiu bem, sem complicações”, destaca Kfouri. “Cabe dizer ainda que o risco de ter miocardite grave é muito maior ao contrair Covid-19, mesmo entre crianças”, emenda o médico.
Como deverá ser a campanha brasileira
Por enquanto, há no horizonte pelo menos duas vacinas que podem chegar em breve às crianças. Além da Pfizer, que deve submeter o pedido à Anvisa ainda em novembro, é possível que a Coronavac também seja oferecida aos pequenos. Em agosto, o Instituto Butantan fez a solicitação, mas a Anvisa julgou que os dados sobre segurança e eficácia eram insuficientes.
Com o acúmulo de evidências do mundo real e a decisão de outras agências regulatórias, como a do Chile, é possível que o pedido seja refeito. E isso é visto com bons olhos pelos especialistas.
Além de ser feita por um método consagrado, o fato de ter uma eficácia menor não seria um grande problema no caso das crianças. “Nessa população, que responde bem às vacinas, elas tendem a funcionar melhor. Creio que é uma questão de tempo para a Anvisa ter mais dados que embasem a liberação”, diz Rosana.
A partir daí, seria possível até otimizar melhor os recursos. “As vacinas mais eficientes em proteger da infecção poderiam ser destinadas aos idosos e reforço dos profissionais de saúde”, calcula Sáfadi.
Resta saber se haverá quantidade o suficiente para cobrir a população infantil. “A maior dúvida é se haverá doses para contemplar todas as crianças, ou se será preciso focar naquelas com comorbidades, que é o mínimo que devemos fazer”, pontua a infectologista.
Outra questão em aberto é se as vacinas vencerão a guerra ideológica em curso, que compromete a estratégia que mais salvou vidas na história da humanidade. Pelos números do Brasil, que chegou atrasado na campanha, mas já ultrapassou vários países, dá para ter uma dose de esperança.
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