O Brasil possui dimensões continentais, compondo 47% de todo território da América do Sul, na qual é fronteiriço a quase todos os países que a compõe (IBGE, 2018). Sua população é a 6ª maior do planeta, tendo a região amazônica como a reserva biológica mais rica do mundo. Sob essa lógica, e partindo da premissa da capacidade tecnológica e inovadora brasileira na produção de alimentos, fibras e energia, tanto para o abastecimento interno, quanto para empreender junto ao mercado mundial, a tendência é que o Brasil torne-se cada vez mais indispensável ao comércio internacional, especialmente o alimentício, considerando que, segundo as projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2030, a população mundial alcance o quantitativo de 8,7 bilhões de pessoas e, até 2050, esse número seja de 9,7 bilhões.
Diante da tamanha responsabilidade global de exportação, especialmente de grãos e proteína animal, assim como considerando as diversas oportunidades de empreender frente ao novo ciclo do comércio internacional, o Brasil, atualmente, possui um modal rodoferroviário de escoamento da produção concentrado nos portos das regiões sudeste e sul, fato que compreende um custo logístico bilionário aos cofres do governo. Desse modo, o incentivo ao transporte hidroviário pelo interior do país instituiu-se como um mecanismo estratégico no vislumbre de reduzir o custo-Brasil através do barateamento do frete, garantindo dinamismo, competitividade e integração aos novos fluxos e rotas comerciais globais. Assim, as hidrovias passaram a configurar uma maneira mais econômica de desafogar as malhas de exportação já existentes, ampliando o potencial de crescimento do país, e elevando ao máximo sua capacidade de ser e manter-se como protagonista no contexto da economia mundial.
Nessa conjuntura, as políticas públicas voltadas para a Amazônia brasileira fortaleceram-se rumo às várias possibilidades de aproveitamento dos rios da região, dentre os quais, o maior de todos, e segundo maior do mundo em extensão, o Amazonas. Desde os tempos da colonização à reconfiguração geopolítica do capitalismo contemporâneo, o rio Amazonas mantém-se titânico nas narrativas poéticas e patrimônio geoestratégico-governamental. Com um número diversificado de afluentes, compõe a maior bacia hidrográfica do globo e possui vasta extensão territorial. Seus 6.447km transportam e comandam a vida de milhares de cidadãos por toda região amazônica. São verdadeiras “artérias”, caminhos desenhados no coração da floresta. Contudo, de acordo com Lins (2012),sob o aspecto do escoamento de riquezas, a “Estrada Real”ainda tem singrares tímidos e inversamente proporcionais à grandiosidade ocupada por ele no tocante ao patamar da relação Brasil e a economia do planeta.
Desde já, e antes que se questione, o tracejo no escrever deste texto não corrobora para a implementação e fortalecimento de atividades econômicas desmedidas, desregradas, implacáveis, obscuras e exploratórias junto aos estados brasileiros percorridos e banhados pelo rio Amazonas e seus afluentes (MORENO, 2015). Visa-se tão somente focar na formidável capacidade natural que a rede hidrográfica amazônica possui para o escoamento de minério, madeira, grãos de toda região e de outros centros produtores, oriundos de projetos sustentáveis e tecnificados. Isso é possível, é viável, e precisa sempre ser enfatizado no direcionamento nos projetos de integração que garantam progresso com dignidade ao amazônida.
Dessa forma, e dentre as tratativas e discussões que estabelecem as diretrizes para a construção de um portfólio de investimentos que visam ampliar os corredores de exportação no contexto da bacia amazônica, sob a perspectiva dos anseios desbravadores da logística fronteiriça do Arco Norte, o aproveitamento do potencial hidrográfico do sistema hidroviário do rio Amazonas se fez presente no Plano Hidroviário Estratégico (PHE), desenvolvido em 2012 pelo Ministério dos Transportes (MT), visto que bacia amazônica representa uma alternativa efetiva na rede logística de Transporte Hidroviário Interior (THI), à medida que já acomoda fluxos de carga consideráveis, bem como atua como corredor de deslocamento de pessoas.
Figura 1- Rios com Navegação Comercial em 2012
Fonte: Plano Hidrográfico Estratégico (2012).
Contudo, uma narrativa que precisa ser ressaltada no contexto do THI está na presença efetiva do Estado do Amapá como ponto estratégico para a solução econômica da diluição do custo dos fretes para o governo brasileiro. O Amapá é o estado da federação mais próximo geograficamente dos Estados Unidos, da Europa, do Platô das Guianas, do Caribe, possui uma Ponte Binacional na fronteira com a Guiana Francesa, ligação direta com a União Europeia. O potencial hidrográfico amapaense para as rotas comerciais internacionais é único garantiria vantagens incalculáveis à economia nacional, regional e local, porém, o estado é hoje um espaço brasileiro subaproveitado. Pensar na costa oceânica do Amapá como uma solução logística extremamente viável para o transbordo (em inglês, o transhipment, ship-to-ship) de produtos oriundos do Centro-Oeste e da região amazônica (e muito específicos dela como o açaí e a mandioca, por exemplo), trazidos por comboios de balsas, barcaças de portos como Santarém (PA) e Itacuatiara (AM), possibilitaria a redução do valor do frete em 2/3. Assim, um navio “Panamax” de 50mil toneladas, com frete na ordem de US$ 3X por toneladas, saindo de Macapá para China, teria o custo reduzido para US$ X (LINS, 2012).
Figura 2 – Transhipment/Ship-to-Ship em Alto-Mar
Na verdade, o que se observa é a legítima realidade das desigualdades regionais latentes no Brasil, na qual o Norte é o mais subjugado e pensado por décadas apenas sob a perspectiva da sangria exploratória. Só para entender, a Hidrovia Tietê-Paraná atua como maior corredor de exportação do país, responsável por quase metade do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Composto pelos estados de São Paulo (SP), Paraná (PR), Mato Grosso do Sul (MS), Goiás (GO) e Minas Gerais (MG), comporta um grande sistema de transporte multimodal, e atende os principais centros do Mercosul. Do outro lado da moeda, quer dizer, do país, a bacia amazônica, contendo 15 dos 28 maiores rios em extensão do planeta, dos quais o Amazonas corta o país de Oeste-Leste, nem de longe tem em seu contexto hidroviário, assim como no rodoferroviário, a realidade vivenciada pelo Sul e Sudeste. Na verdade, o PIB registrado em toda Amazônia Legal representa menos de 10% do total nacional (IBGE, 2018). Isso acentua os índices de desemprego, marginalização, violência, fome… A lista é extensa, assim como os rios.
Por fim, salientar que todo e qualquer projeto que trate de desenvolvimento para região amazônica não pode vir impregnado das inobservâncias intencionais às legislações ambientais, sociais, dos vetores de conflitos destrutivos ao capital natural e às populações nativas é um discurso pleonástico. O “Ciclo da Borracha”, a “Ferrovia Madeira”, “Fordlândia”, “Icomi”, “Projeto Jarí”, entre tantos outros, descrevem fidedignamente o pesadelo que o ideário paradoxal de promoção de “bem-estar” via exploração predatória de bens naturais causa aos envoltórios sociais que insistem em ocupar territórios ricos em biodiversidade e frágeis em proteção. Porém, permanecer no atraso socioeconômico em relação às outras regiões do país é um capítulo que precisa ser revisto, reavaliado e reescrito para que as próximas gerações nortistas.
Euridece Pacheco Ruella/Professora e Mestra em Direito Ambiental e Políticas Públicas
CEO da Polítika Assessoria LTDA
Antonio Roberto de Souza Góes/Tenente do CBM/AP
Pós-Graduado em Gestão Pública
CEO da Polítika Assessoria LTDA
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