Leia agora! A enorme dívida de Demóstenes Torres ao Padre Pio

taormina rainbow messina bougainvillea basil basilico hotel san domenico giardini naxos etna volcano vulcano island isola sicilia sicily italia italy sea sun landscape free europe wallpaper michael micky castielli resolution vacation holiday travel flight creativecommons creative commons zero CC0 cc0 CC cc panoramio flickr googleearth maps geotagged gnu gimp wikimedia

Avião ia cair, pânico geral, rezamos para Padre Pio

Os estoicos talvez sejam o maior exemplo de superação. Muitos deles caíram em dificuldades infernais e se reergueram. O medo fazia parte de suas rotinas.

Famoso autor do estoicismo, o espanhol Sêneca afirmava que quem não tinha medo não era corajoso, mas doente, amalucado. Nas lições do filósofo, submetidas a interpretação extensiva, tão na moda atualmente no direito constitucional, seria perigoso ficar perto de João Sem Medo (Saldanha, Calmon, o Duque da Borgonha), Juscelino Kubitschek (que “Deus poupou do sentimento do medo”) ou de quem segue o Velho Testamento (“Não tenha medo, pois sou o seu Deus”, Isaías 41:10). Alguém sem medo seria capaz de grandes inconsequências.

Mas, diante do medo, como agir? Com moderação, sem afagá-lo, driblá-lo.

O Maior de Todos os Homens, nascido 4 anos depois de Sêneca, no extremo contrário do império romano, sentiu um medo tão extraordinário que, chegada a Sua hora, mesmo sabendo que viera à Terra cumprir uma missão, “suou como gotas grossas de sangue”.

(Parênteses para contar a primeira experiência pessoal do dia. Uma vez, em Jerusalém, diante do secretário-geral do arcebispado latino, fluente em 17 línguas e se arriscando em outras tantas, caí na bobagem de dizer que Jesus suara sangue no Horto das Oliveiras. O poliglota me corrigiu nos trocentos idiomas, ressaltando o “como” e alertando: se Bíblias mundo afora foram traduzidas erroneamente, seria bom que as revisássemos.)

De qualquer forma, estava lá o “afasta de mim esse cálice”, o modo sereno de se distanciar do medo.

Sempre tive uma devoção inexplicável pelo italiano Padre Pio, há 20 anos São Pio de Pietrelcina. Digo inexplicável porque só o conhecia de um filme e um livro de seus admiradores que propagavam feitos, inclusive milagres. Depois, li o inquérito em que a cúria romana o absolvera da acusação de charlatanismo. Foi desterrado e continuou sua trajetória evangelizadora em San Giovanni Rotondo, onde morreu no final dos anos 1960. Recebeu os estigmas de Cristo e com esse sofrimento conviveu sob calúnias indizíveis. Até o fim foi caridoso, admirado e seguido por multidões de fiéis.

Surpreendi-me com sua popularidade na Itália, antes mesmo de o Papa número 1 de nossos tempos e templos, João Paulo 2º, beatificá-lo e torná-lo santo. Por onde passava, lá estava o retrato de Padre Pio, sua imagem pintada, sua medalha. Era assim em antiquários, lojas, bares e até num local pitoresco, a entrada da belíssima Grotta Azzurra, caverna na Ilha de Capri, sul da Itália.

No início dos anos 2000, quando descia de Roma para a Costa Amalfitana numa van, desviei inexplicavelmente o roteiro, sob protestos gerais dos companheiros de viagem. Fui a San Giovanni Rotondo, a fim de visitar o túmulo de Padre Pio e ver as famosas luvas que usava para ocultar as feridas nas mãos.

Desde criança, tinha medo de “assombração”. Meu pai era um tremendo contador de “causos”. Todos nós, seus filhos e público vizinho, ouvíamos Seu Avelomar tão atentos quanto a novelas ou a Antônio Porto nos jogos da Seleção Brasileira de futebol. Muitas narrativas eram histórias dele com o sobrenatural, que minha paúra convertia em sonhos estapafúrdios. Quando fui viver com Flávia, disse-lhe:

“Entre vários, tenho um defeito peculiar”

E falei de meus pesadelos, dos gritos quando despertava e de acordar totalmente suado. Alegrou-me:

“Isso não é defeito”

Prometeu me tolerar. Cumpriu.

No episódio de maior efervescência da minha vida, quando Flávia não estava, enchia de gente o quarto para tentar dormir, e de nada me adiantava. Havia ataque pior que qualquer era dos seres sobrenaturais. Para piorar, um psiquiatra receitou um remédio que me deixava acordado de madrugada e parecendo zumbi durante o dia. Não suportando a dor, num abril despedaçado, em Brasília, decidi-me pelo gesto extremo. Antes, deitei na cama, encolhido e pálido, um Demóstenes Com Medo. Não sei se adormeci ou fiquei em transe, mas o fato é que fui atacado pelas piores figuras demoníacas que alguém possa imaginar. Se à época ainda tivesse cabelo, ficaria com todos os fios erguidos. Padre Pio veio em meu socorro com seu cheiro adorável (muitos imaginavam que usasse perfume, mas era sua característica, o cheiro divino) e excomungou a todos que me apavoravam. Fui revigorado pelo que ele me disse e pelo que fez.

Nunca mais tive medo de nada. Enfrento de peito aberto qualquer adversidade. E o melhor de tudo: me livrei para sempre dos pesadelos. Menos dos reais.

Sexta-feira passada, 17.fev.2023, eu e Flávia embarcamos em Miami com destino a Providenciales, principal povoação das ilhas Turcks & Caicos, e só não conto que é onde estamos para não dar spoiler. Vinte minutos no ar e o avião começou a baixar exageradamente. Espantei-me, porque ainda faltava boa hora e meia para o pouso. De repente, o comandante anunciou que havia um problema desconhecido e teríamos que voltar ao local de partida. Alvoroço interno. Temor generalizado. Lamentos nos idiomas exibidos pelo secretário-geral do arcebispado latino em Jerusalém.

Flávia me perguntou:

“Vamos cair?”

Para consolá-la, vesti figurativamente a capa do Demóstenes Sem Medo e respondi que não. Não era ausência de temor, mas presença da expertise em apuros. Tenho milhares de horas de voo em aeronaves minúsculas. Só não voei até hoje em aeromodelo. E centenas de minutos aflitivos lá em cima –às vezes, nem tão em cima assim, como naquele momento, em que estávamos nos aproximando das águas azuis do Caribe.

Errar a pista de pouso? Sim, já ocorreu comigo. Sair da pista e entrar no mato? Também. Monomotor perdê-lo? Está no currículo. E bimotor perder os dois? Aconteceu próximo ao aeroporto de Caldas Novas. O piloto conseguiu pousar, mas o aviãozinho ficou bastante danificado e um passageiro, então deputado federal, passou a ter problemas insanáveis de coluna.

Acalmei Flávia explicando-lhe que não estávamos mergulhando no indescritível mar azul-turquesa. Íamos em frente. Baixo, porém em frente. Os comissários de bordo, que deveriam acalmar os passageiros, haviam sumido. Crescia a torre de babel de lamúrias e choros. Até que enfim apareceu um tripulante. Estava todo urinado.  Não conseguia conversar. Todavia, cumpriu dignamente sua tarefa. Apontava para o panfleto de instruções atrás de cada poltrona. Fez o gesto da mímica macabra que precede a queda: abraçar as pernas e deitar sobre elas. Para a eventualidade de sobrevivermos, indicou as saídas de emergência, para as quais deveríamos seguir correndo se o piloto repetisse o herói do Rio Hudson, Chesley Sully, e conseguisse pousar.

O pânico era geral. Desespero completo em todas as filas. Aí, Flávia me disse:

“Eu não queria morrer antes de ver minha filha formada em Medicina”

Maria Fernanda, minha enteada, está no último ano da faculdade.

Peguei sua mão e a convidei:

“Vamos rezar para Padre Pio”

Crê quem quer. Na mesma hora, o comandante comunicou que detectara o problema, a pane era elétrica e seria contornada. As lágrimas brotaram em grande parte das pessoas. Voamos de volta. Perdemos o dia de passeio, ganhamos a vida para passear pelos sete mares, ir com Flávia à colação de grau de nossos bisnetos, sair ilesos de outros perrengues.

Devo mais uma a Padre Pio. Em sua devoção, preciso fazer uma capela humilde, como ele gostava, como todos deveríamos ser.

Artigo publicado originalmene no Poder360