Nicarágua: Daniel Ortega confisca bens e apaga registro civil de opositores

Perseguição, confisco de bens, nacionalidade cassada e, agora, registro civil apagado: essa é a realidade dos nicaraguenses acusados de traição à pátria pela ditadura de Daniel Ortega. Até agora, 317 pessoas estão apátridas e as denúncias que seus registros civis estão sendo apagados começam a surgir na Nicarágua. A atual ofensiva do líder sandinista contra dissidentes é a última de uma série de violações desde que ele foi reeleito sem oposição em 2021, marcada pela perseguição a líderes religiosos e ex-aliados.

Ainda não existe um número exato de quantos nicaraguenses perderam seus registros porque muitos continuam ou têm família no país e temem alguma represália.

Para entender como 317 ficaram apátridas em menos de uma semana, é preciso voltar alguns meses no cotidiano nicaraguense. Em janeiro deste ano, existiam 245 presos políticos na Nicarágua. Após um acordo com os Estados Unidos, no dia 9 de fevereiro 222 deles – alguns ícones da luta sandinista contra a ditadura de Anastasio Somoza em 1979, como Dora María Téllez – foram soltos, tiveram a nacionalidade cassada e foram deportados aos EUA.

Um dia depois, o bispo Rolando José Álvarez Lagos, símbolo da luta religiosa contra as arbitrariedades de Ortega, foi condenado a 26 anos de prisão por traição à pátria. Ele estava em prisão domiciliar desde agosto de 2022 e foi incluído na lista dos opositores que seriam deportados aos EUA, mas se recusou a embarcar.

No dia 10 de fevereiro, o bispo foi transferido para o Sistema Penitenciário Nacional, a chamada prisão modelo do país, se tornando o primeiro bispo preso desde que Ortega voltou ao poder em 2007. “Declara-se a perda dos direitos de cidadão do condenado, que será perpétua, tudo isso por ser o autor do crime de ofensa à integridade nacional em detrimento do Estado e da sociedade nicaraguense”, diz a decisão judicial, acrescentando “a perda da nacionalidade nicaraguense”.

Seis dias depois da prisão do bispo Álvarez, 94 opositores perderam a nacionalidade e foram inabilitados a exercer cargos públicos de forma perpétua justamente porque foram declarados traidores da pátria.

“Os acusados executaram e continuam executando atos delitivos em prejuízo da paz, da soberania, da independência e da autodeterminação do povo nicaraguense, incitando a desestabilização do país, promovendo bloqueios econômicos, comerciais e de operações financeiras, tudo em prejuízo da paz e do bem-estar da população. Por esses fatos, os acusados não podem mais ser considerados cidadãos nicaraguenses”, disse o magistrado Ernesto Rodríguez Mejía ao dar a decisão.

Pressão internacional

Para o jornalista exilado Héctor Mairena, que atualmente vive na Costa Rica. a soltura dos 222 presos só foi possível após forte pressão interna e externa, mas a repressão de Ortega continuará aumentando. “Toda essa perseguição ocorre porque a ditadura tem o controle total e absoluto dos distintos instrumentos do Estado e os utiliza em função da repressão”, diz. Atualmente, 27 pessoas são mantidas como presos políticos na Nicarágua.

Mairena acredita que os países da América Latina precisam se unir em torno da condenação da ditadura Ortega e pede mais ação do Brasil. “Esperamos do governo brasileiro uma atitude distinta, categórica, condenando a ditadura. Lamentavelmente, ainda não veio. Lamentamos que o governo do presidente Lula não tome uma atitude firme de condenação. No Brasil, ocorreram ditaduras, Lula foi vítima disso, e é lamentável que não adote uma defesa dos direitos humanos.”

Na semana passada, após um grupo de especialistas da ONU acusar Ortega de “crimes contra a humanidade”, e pedir sanções internacionais, o Brasil ofereceu asilo aos nicaraguenses que foram expulsos. A hesitação do governo com a Nicarágua tem dividido a base de Lula.

Fonte: O Sul