Por Luciano Martins
O Decreto nº 12.341, publicado em 23 de dezembro de 2024, surge como uma tentativa do governo de regulamentar o uso da força e os instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública, com a promessa de proporcionar maior eficiência, transparência e respeito aos direitos humanos. A princípio, tal medida é apresentada como um avanço na busca por um modelo de segurança pública mais coordenado e respeitoso, estabelecendo normas gerais e procedimentos alinhados com a Lei nº 13.060, de 2014. No entanto, como veremos, a realidade da segurança pública brasileira é marcada por uma série de desafios que tornam a aplicação dessa boa intenção uma tarefa muito mais complexa do que simplesmente impor diretrizes e regras.
O Decreto, à primeira vista, reflete uma boa intenção do governo em criar diretrizes nacionais para o uso da força, sendo uma tentativa legítima de fortalecer a segurança pública no Brasil. Ele sugere um avanço ao buscar unificar e coordenar a resposta a um problema que é, na essência, complexo e profundamente enraizado na sociedade. No entanto, é fundamental reconhecer que a segurança pública vai além de simples normas e regulamentos. Ela envolve uma gama de fatores interligados que não podem ser resolvidos apenas com a regulamentação do uso da força.
Além disso, o Decreto sublinha a importância da não discriminação, o que se ajusta com diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como as normas da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Código de Conduta para Funcionários encarregados da aplicação da lei. Essas diretrizes buscam garantir que o uso da força seja restrito às situações em que não haja outra alternativa, sem prejuízo da dignidade humana. Entretanto, ao focar exclusivamente no controle repressivo, o Decreto ignora uma das mais graves falhas da segurança pública brasileira: a prevenção. A verdadeira eficácia de um sistema de segurança não reside apenas no uso da força, mas também na implementação de políticas públicas eficazes que priorizem a prevenção da violência, com ênfase na educação, no emprego e na inclusão social. O Decreto deixa de abordar essa equação fundamental.
É relevante observar que, em seu cerne, o Decreto aborda a segurança pública em um contexto eminentemente repressivo, focado na aplicação da força, no controle social e na prevenção do caos, mas sem um olhar incisivo sobre as causas da violência e os elementos sociais que perpetuam esse ciclo. Ao focar a regulamentação exclusivamente no uso da força, o Decreto negligencia a necessária construção de políticas públicas preventivas e seus vetores fundamentais para a redução de conflitos sociais e violência.
Em um momento em que o país atravessa uma crise de confiança nas instituições e a sociedade civil questiona cada vez mais o papel do Estado na manutenção da ordem pública, o Decreto nº 12.341/2024 surge como mais uma tentativa confusa de tratar os sintomas da violência, sem enfrentar as suas causas. A responsabilidade do Estado, em especial no âmbito da segurança pública, vai além de regulamentar o uso da força. Ela reside também na criação de um ambiente social em que a violência seja reduzida por meio de políticas públicas eficazes, que envolvem a capacitação contínua dos profissionais de segurança, a valorização da saúde mental, o fortalecimento da relação com a comunidade e o combate às desigualdades que alimentam a criminalidade.
As ações do Estado devem sempre visitar a história e revisitar os princípios que fundamentam a organização social, pois é na análise do passado que se encontram os sinais para o futuro. Nesse sentido, o conceito hobbesiano do Leviatã, apresentado em sua obra homônima, permanece atual ao destacar a necessidade de um Estado forte para garantir a ordem. Contudo, Hobbes nos alerta que tal poder, para ser legítimo, precisa estar ancorado na responsabilidade. O uso da força pelo Estado, portanto, não pode se resumir a uma mera imposição de poder; ele deve refletir uma consciência ética e social, além de um compromisso com a construção de uma sociedade mais justa. Ao priorizar o controle repressivo e negligenciar a prevenção e a transformação das raízes da violência, o Decreto nº 12.341/2024 revela-se mais uma ação de controle do que de verdadeira segurança pública.
*Luciano Martins é advogado, professor e vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM) no Estado de Mato Grosso do Sul. Atuou como secretário-adjunto de Governo, controlador-adjunto e diretor-presidente da Fundação Social do Trabalho no Município de Campo Grande (Funsat).
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