É papel da imprensa não só colher e divulgar dados de relevância pública, mas contextualizá-los. Por isso, você vai conferir uma completa explicação sobre o carrinho de compras do governo federal
Uma reportagem do portal Metrópoles publicada no último domingo (24) sobre os gastos dos órgãos federais com comida repercutiu em toda a imprensa e nas redes sociais. Em 2020, o carrinho de compras do governo ultrapassou R$ 1,8 bilhão, um aumento de 20% em relação a 2019.
Dois produtos em especial chamaram a atenção do público: o leite condensado e a goma de mascar. No total, o governo pagou R$ 15,6 milhões para comprar o doce e outros R$ 2,2 milhões para chiclete.
Apesar de o presidente Jair Bolsonaro já ter demonstrado gostar de comer leite condensado com pão, as compras não têm nada a ver com isso. À primeira vista, elas parecem estranhas, mas existe uma explicação.
Por isso, é papel da imprensa não só colher e divulgar dados de relevância pública, mas também — e principalmente — contextualizá-los.
1. O que justifica o aumento de gastos em relação a 2019?
Em primeiro lugar, é necessário explicar que esses gastos não são do cartão corporativo de Bolsonaro, mas das demandas de todos os órgãos federais durante o ano. Os alimentos não são simplesmente para abastecer as despensas dos ministérios — as sedes em Brasília não recebem quase nada.
A maior parte vai para os órgãos subordinados, incluindo institutos federais de educação e hospitais ligados a universidades. Os valores também incluem algumas compras feitas por municípios e estados para órgãos federais locais.
É importante destacar que os maiores compradores são o Ministério da Defesa e o Ministério da Educação. O primeiro não parou as atividades com a pandemia, pelo contrário: o número de missões aumentou em algumas localidades. Já o MEC é responsável por uma rede de hospitais universitários, que foram usados em muitos estados para desafogar o SUS durante a crise de 2020.
É justificável, portanto, que a quantidade de alimentos tenha aumentado em meio à crise do coronavírus, já que a demanda de alguns órgãos cresceu.
2. Por que tanto leite condensado?
O doce preferido do presidente não aparece à toa no carrinho de compras. Os maiores compradores da iguaria são o Ministério da Defesa e a Funai, por um motivo comum: em locais distantes e pouco acessíveis, não é viável o transporte e o armazenamento de leite fresco, que estraga rapidamente. O leite condensado, então, serve como um substituto ao laticínio porque o açúcar conserva bem o produto mesmo após aberto.
Vale ressaltar também uma informação que não foi mencionada no texto da reportagem do Metrópoles: foi gasto R$ 1 milhão a mais com leite em pó — em comparação com o condensado —, além de quase R$ 10 milhões com leite de coco e mais de R$ 1 milhão com leite de soja. Em contrapartida, nem R$ 1 com leite de caixa ou de saco.
Em missões militares na selva ou em atendimento a tribos indígenas isoladas da cidade, o leite condensado e em pó são a alternativa mais viável para evitar o desperdício.
Outra parte significativa do leite condensado foi comprada pelo Ministério da Educação, responsável por universidades e institutos federais, hospitais universitários além de vários órgãos subordinados com distribuição de refeições. Nesse caso, ele pode ter sido usado para a produção de sobremesas. Lembrando que também há a compra de gelatinas, chocolates, geleia de mocotó e picolés para esse fim.
3. E os chicletes?
Uma parte das gomas de mascar compradas pelo governo é requisição do Ministério da Defesa. O produto compõe um kit básico distribuído nas missões militares e tem duas finalidades principais: a primeira, odontológica. Chicletes sem açúcar e com composição especial ajudam na higiene bucal das tropas quando a escovação torna-se menos acessível.
O outro motivo é o de que a goma de mascar diminui o incômodo da pressão nos ouvidos durante voos. Ressalta-se aqui que os aviões militares não são como os aviões usados para viagens domésticas e internacionais. A pressão costuma ser maior.
Não é a primeira vez que a compra de chicletes pelo governo é questionada. Em 2007, o Ministério Público Militar (MPM) questionou licitação do Comando Militar do Leste que incluía R$ 3,5 milhões para comprar o produto. À época, o Comando explicou a importância da goma de mascar para a higiene bucal dos militares.
Também há informações de que outra parte dos chicletes foram comprados pelo Ministério da Saúde. Tratam-se de gomas de mascar de nicotina, distribuídas pelo SUS em campanhas de combate ao tabagismo.
4. Falta de informações
Uma explicação mais pormenorizada desses gastos, com a destinação de cada produto, é de relevância pública e deve ser divulgada pelo governo.
Oficialmente, nem o presidente Jair Bolsonaro nem os ministérios deram explicações mais detalhadas sobre os produtos do carrinho de compras. O silêncio da Secretaria de Comunicação (Secom) permitiu que a desinformação sobre essa assunto se espalhasse.
Um relatório completo sobre o assunto está sendo produzido e a tendência é de que o presidente, com dados detalhados em mãos, possa dar mais explicações na sua live de quinta-feira (28).
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