Socióloga e professora Rosângela Janja, o Brasil melhorou desde o Lula 1, mas o tratamento de câncer usa os mesmos métodos e medicamentos da época de FHC 2.
A tecnologia avançou vertiginosamente neste século, porém os pacientes são tratados (quando o são) como no milênio anterior. Vou lhe contar uma história que está acontecendo comigo – é com a minha mulher, Flávia, portanto, é comigo mesmo.
Numa 2ª feira de março agora de 2023, estávamos em Goiânia, onde moramos, prontos para irmos a Brasília, onde também trabalhamos, quando Flávia me disse:
“Nesta semana eu não vou.”
Desde janeiro, se queixava de cansaço excessivo. Chegara a seu limite. E olhe, primeira-dama, que nisso vocês duas se parecem: gosta de dançar, cantar, experimentar pratos e bebidas.
Jamais reclama. Se faz bico é para assobiar ou cantar Charles Aznavour. Começa os dias sorridente. Logo após conhecê-la, a rebatizei de Passarinho, porque acorda cantando e disposta a voar. Poucas coisas conseguem tisnar de tristeza aquele rosto lindo, e trabalho definitivamente não é uma delas.
Fez exames para averiguar a origem da indisposição. Apareceu uma distorção na mama esquerda. Realizou mamografia, que confirmou a distorção.
Meu Deus!
Especialistas em Goiânia a aconselharam a fazer biópsia. A gente que não é da área de saúde nada tem a fazer além de se desesperar e fingir que não está desesperado – que é para acalmar quem naquele momento se faz de forte e pender do limbo para a calma –, mas é indisfarçável o compreensível desespero.
É Deus no céu e a doutora Ludhmila Hajjar na terra. Apelamos para ambos. Liguei para a médica. Era noite de 5ª feira, estava no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo e nos aconselhou:
“Venham para cá na 2ª feira cedo que vou providenciar tudo.”
Se em campanha eleitoral cada dia é uma eternidade, imagine naquele momento… Ainda em 2022, havíamos combinado com um querido casal de amigos e seu filho uma curta pescaria no Pantanal. Coincidência ou não, a saída seria naquela madrugada de 6ª feira. Argumentei com a Flávia:
“Podemos ficar aqui chorando o final de semana inteiro [e estávamos chorando mesmo, e litros] ou vamos pro Pantanal com pessoas de que a gente gosta, fazer o que a gente gosta.”
Topou. Foram momentos maravilhosos, pôr do sol de cartão-postal, luar de poema, aurora de dar canção, aquela paz que só a natureza proporciona. Levei o que dispunha de melhor em vinhos. Abria um, ela exclamava interrogando:
“Nossa!, você trouxe esse vinho?”
Abria outro, repetia a frase:
“Nossa!, você trouxe esse vinho?”
Mais um:
“Esse aqui? É, só posso concluir que você acha que eu vou morrer mesmo.”
Peixe pegamos pouco, risos colhemos muito, lembranças aumentamos o estoque. Estávamos mais preparados que o Garfield para a 2ª feira.
Ludhmila Hajjar cumpriu o prometido com a competência, o talento e a responsabilidade que a caracterizam.
Confirmado o câncer, nos indicaram um mastologista de renome internacional, Antônio Frasson, do Hospital Israelita Albert Einstein. De tão bom, doutor Frasson subverte a máxima e é uma alma recomendada demais que merece ir direto para o céu.
Dos professores de minha enteada Maria Fernanda na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro a um papa da cardiologia no planeta, Fausto Feres, era consenso que estaríamos em mãos abençoadas e aprimoradas pela ciência. Comentamos com a doutora Ludhmila, que aquiesceu:
“Só vou deixar fazer fora do Vila Nova Star porque é com o doutor Frasson.”
Enviamos para estudiosos nos Estados Unidos o material para Oncotype DX, um exame de 1ª linha que prevê a chance de o câncer voltar. Os resultados norteariam as providências a seguir.
Sobre Antônio Frasson, as informações se converteram em fatos. Com sua equipe – que inclui a magistral cirurgiã plástica Mônica Frasson, sua esposa –, operou, reconstruiu a mama. O procedimento foi acompanhado pelo oncologista das estrelas, Fernando Maluf, ele próprio um astro graças ao conhecimento e à prática.
Da descoberta à retirada do tumor foram 12 eternidades. Deu tudo certo, graças a Deus e ao quinteto Ludhmila, Antônio, Mônica, Fernando e Albert, o Einstein.
Janja, e os 700 mil brasileiros que, segundo o Instituto Nacional do Câncer, são acometidos pela doença a cada ano? A maioria, Janja, não terá condição sequer de ir ao laboratório checar a quantas andam corpo e mente. Sei que você, como eu e Flávia, adora a Música Popular Brasileira e lembro-lhe dos poetas Belchior e Toquinho, que cantaram o nosso povo:
“Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
“Que caminha para a morte pensando em vencer na vida.”
Tire a multidão da fila do cemitério, primeira-dama. Não é atribuição sua, mas dependemos de sua parceria.
Laboratórios multinacionais pesquisaram e já industrializam a solução parcial para o câncer de mama. Os novos medicamentos custam R$ 1.000 cada comprimido. Sim, quase um salário mínimo. Na farmácia tem, no plano de saúde tem, no SUS (Sistema Único de Saúde) não tem.
E não tem porque o Ministério da Saúde não quer que tenha. Em 2021, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS aprovou o que há de mais novo para combater o câncer de mama. Mas o ministério se recusa a incorporar a tecnologia. Deve ser entrave de algum burocrata que incorporou o tranca-rua ou a pomba-gira.
São drogas capazes de reduzir até ¼ do tumor. Todavia, quem é pobre e depende de pílula de um salário mínimo diariamente não tem chance nenhuma contra o câncer, nem de 25%, nem de 10% e nem de nada por cento. A sobrevida, mesmo em casos identificados tardiamente, chega a 10 meses.
Essa gente honesta que caminha para a morte transpirou muito para o Brasil vencer na vida. Essa gente boa morre à míngua, Janja, à míngua. Enquanto isso, desde sempre, o Ministério da Saúde esbanja recursos, menos para o que interessa.
Minha mulher já teve, seu marido já teve, a sucessora dele já teve e novos 2 milhões de outros brasileiros terão até 2025, segundo o Inca.
Quantos mais precisam adoecer por falta de investimentos em prevenção? Quantos mais necessitam morrer pela ausência de verbas para tratamento? Uma gente a quem o Estado nega lazer e esporte como a pesca, saúde preventiva via turismo como a viagem ao Pantanal. Uma gente para quem os direitos à saúde e até os individuais se resumem a letra morta na Constituição que o presidente da República jurou respeitar.
Só não é pior, Janja, porque muita gente00 honesta, boa, comovida e rica ajuda as dezenas de Hospitais do Câncer no Brasil inteiro, dos judeus no Einstein ao Hospital de Amor, em Barretos (SP).
Vi os nomes das famílias em setores do Einstein que doaram em vida e preferiram não aparecer. Soube que Benjamin Steinbruch e centenas de outros empresários despejam grande parte de suas fortunas nessas obras. Por que não o Ministério da Saúde, onde desde 25 de julho de 1953 sobra dinheiro e falta gestão?
A receita é simples: tira da publicidade, tira da burocracia, tira dos atravessadores, tira dos pilantras e aplica cada centavo nos pacientes.
O Einstein é, reconhecidamente, um hospital de ponta com nível mundial. Atende com a mesma presteza e taxa de resolutividade o pobre que não pode pagar nem a consulta e o bilionário que colabora com sua manutenção.
A chamada é por ordem de chegada, na senha. Crianças, diversas crianças, muitas crianças mesmo, ruidosas como de praxe, irrequietas como é característico da idade. Mulheres. Idosos. Tumor na mama, na próstata, no intestino, em qualquer lugar. Gente de todo jeito. O Einstein, como filantropos das 27 unidades da federação, as ampara e cuida.
Mas eles não dão conta de abarcar o Brasil. Aí é com o presidente Lula e com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, socióloga como a senhora, eficiente como demonstrou em cargos anteriores. Peça a Lula e Nísia pelos doentes de câncer, Janja.
A Flávia está bem. As 18 sessões de radioterapia se encerraram na 4ª feira passada (19.jul.2023), com os efeitos terríveis que tanto apavoram doentes e familiares – mas é preferível sofrer com eles do que com o mal.
Quem não está bem, primeira-dama, são as pessoas sem acesso a anjos como Ludhmila Hajjar, Mônica e Antônio Frisson e sua equipe, Fernando Maluf e os demais profissionais do Vila Nova Star, do Einstein e congêneres.
Igual a essas boas almas, a senhora pode entrar para a história da saúde pública. Está marcado para o próximo dia 30 de agosto o início da distribuição dos novos medicamentos na rede do SUS. É a data de aniversário da Flávia, 50 anos de alegrias espalhadas, do Pantanal ao Einstein.
Esse começo vem sendo adiado desde o governo anterior. Faça o máximo para que, realmente, se inicie. Muita gente honesta, boa e comovida vai passar a comemorar o aniversário a partir daí, tendo ou não nascido em 30 de agosto. Será o 1º dia do 1º ano em que a cápsula de esperança a alcançou.
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