Não é uma enfermidade ou a economia ladeira abaixo que suscitam críticas ao presidente dos EUA, mas tão somente o preconceito contra o idoso, escreve Demóstenes.
Invasão da Rússia na Ucrânia. Encrenca sem fim entre Israel e grupos terroristas ligados aos palestinos. A esquerda vitoriosa na Europa, ainda que por pouco. O dragão chinês beliscando a Otan e soltando labaredas próximo a Taiwan.
Enquanto isso, os Estados Unidos discutem não a sua 60ª eleição à Casa Branca, mas se o atual presidente, Joe Biden, está em tratamento contra a doença de Parkinson, o terrível distúrbio do sistema nervoso central que se inicia com quase imperceptíveis tremores nas mãos e acaba sabe lá Deus como.
Na era da imagem, ao homem com vocação para César não basta ser honesto, tem de parecer sadio. E Biden, aparentemente, não está. Franklin Delano Roosevelt, o FDR, ganhou 4 eleições presidenciais e ficou por mais de 12 anos no cargo. Mesmo assim, havia o tabu de assumir ser cadeirante. Hoje, poderia prejudicar suas campanhas a tentativa de esconder a deficiência, não o fato de a poliomielite ter lhe tirado os movimentos. O oposto está ocorrendo com Biden, vítima de uma crueldade ilimitada, mesmo sabendo-se que as regras do jogo eleitoral são mais descumpridas que as de resoluções da ONU.Biden, caso seja reeleito, começará o próximo mandato com 82 anos, pois aniversaria no que aqui é o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Idoso? Sim, como 50 milhões de compatriotas. Muito idoso? Sim, afinal, 20% do Congresso norte-americano tem acima de 70.
Fui relator no Senado do Estatuto do Idoso, depois rebatizado de Estatuto da Pessoa Idosa. Fiquei surpreso com a oposição aos 60+, entre os quais me encontro. Empresas de transporte aéreo, fluvial, marítimo e terrestre aprontaram horrores para impedir e, por fim, dificultar a gratuidade das tarifas. Planos de saúde os evitam. Filhos, netos e bancos querem todo o dinheiro de suas aposentadorias e seus benefícios de prestação continuada. As casas de repouso cobram preço de Copacabana Palace. É assim cá e lá, no império de Tio Sam –a essa altura já um provecto Bisavô Sam.
Para evitar envelhecer, a única saída continua sendo morrer jovem. Nos dicionários, como na vida, idoso significa resistente. Os sinônimos para provecto, por exemplo, vão de velho a adiantado, experiente, mestre. A grande mídia, tão ciosa no politicamente correto quanto a tanta coisa, considera imperdoável a pessoa não falecer quando ela deseja. Cancelamento sem analogias, figuras, firulas ou disfarces: “O que Biden quer com eleição se está fazendo hora extra na Terra?”. Em 2022, a expectativa de vida para homens nos Estados Unidos era de 73 anos. O preconceito contra o idoso é embutido em efeitos como as doenças. Porém, mascaram-se os dados. Parkinson, que se suspeita ser o responsável pelos memes recentes de Biden, aparece depois dos 60, todavia também aos 20. Atingiria do conservador Madison Cawthorn, eleito congressista aos 24, à democrata Nancy Pelosi, de 84 –ele saiu de Washington pela porta dos fundos, ela permanece firme e forte desde antes de ele nascer.
Portanto, não é a eventual enfermidade, é só a idade que incomoda. Não é a capacidade, é somente a idade, não se discute se é capaz, inclusive porque não é. Está na moda referir-se a esse desvio de comportamento como capacitismo.
A discriminação nos Estados Unidos substitui o debate sobre o desempenho da economia, que está ladeira abaixo. O que é o declínio das finanças comparado ao presidente descer do carro e ficar olhando o nada?
Leva-se ao extremo a fake news de Biden estar sem discernimento para se valer do arsenal bélico norte-americano em caso de um ataque. Algo como a paralisia momentânea de George W. Bush ao saber, enquanto lia com crianças de uma escola na Flórida, que aviões haviam se chocando com as torres gêmeas e o Pentágono. Em 11 de setembro de 2001, Bush filho tinha 54 anos.
O Bin Laden de Biden não é um anagrama, é o tão falado etarismo, combatido pela mídia quando imposto a seus queridinhos. A imprensa passa pano para a hostilidade à idade gentil e seus detentores, Biden no time, passam recibo. A patetice da vez é ameaçar ir para o tudo ou nada no próximo debate, em 10 de setembro, já que o anterior, em 27 de junho, foi o start para a perseguição incessante.
Diante de um sujeito que apresentou programa na TV e ganha a vida fazendo negócios de todos os calibres, Biden não teve o desempenho de seus colegas de partido Bill Clinton e Barack Obama. E, de novo, a culpa não foi de doença ou idade, mas de genes ou gênio. Simplesmente dispõem de estilos distintos, falastrão x aparvalhado. A decadência cognitiva, que um dia tende a chegar, aporta sem permissão e é socialista –atinge a todos, indistintamente.
Boa ou ruim, é a democracia a fiadora de o comando de uma nação tão poderosa ser decidido num bate-boca. Não importa se o candidato é instável, desde que seja instagramável. As dicotomias democrata x republicano, honesto x corrupto, esquerda x direita, liberal x conservador, madeireiro x ambientalista e outras disputas entre antagônicos estão sendo aposentadas pelo surreal velho x mais velho ainda.
A novidade aterradora é que a vida de bilhões de humanos depende, de algum modo, de quem será apontado pelos juízes de sempre como vencedor do UFC setentão x octogenário.
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