Não é outro idioma nem palavrão, mas é algo pior: o juridiquês. Leia agora o artigo de Demóstenes Torres!

O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça estão se insurgindo contra essa língua estranha

Na 4ª feira (13.mar.2024), este Poder360 publicou um texto ininteligível, “Peça de arremesso com linguagem que o Pretório Excelso combate”. Não, não escondia palavrão contra alguém, era coisa pior: o juridiquês. O idioma escrito, e às vezes até falado, por grande parte dos professores de direito, advogados, defensores públicos, magistrados, integrantes dos Ministérios Públicos e assemelhados. Ninguém entende o que essa turma quer. O cidadão comum não sabe se foi vitorioso ou derrotado. Para dar ideia de como a gente sofre.

Nem tente buscar os sinônimos no dicionário Aurélio, no Houaiss ou no Volp, o Vocabulário Ortográfico da língua portuguesa, feito pela Academia Brasileira de Letras. Alguns nem no dicionário jurídico estão, apenas no repertório de quem pode dificultar, então, não vai facilitar para ninguém.

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça estão se insurgindo contra essa língua estranha de gente esquisita.

Acesse o artigo incompreensível que escrevi na 4ª feira (13.mar.2024) e leia mais abaixo a “tradução”, com frases que nem se deve usar na rotina, a menos que queira fazer rir. Ou indignar.

Tente a leitura simultânea, a salada de termos indecifráveis junto com os sinônimos abaixo que, é óbvio, não formam o documento ideal na prática de escritórios e repartições públicas. Foi um exagero para colaborar com o alerta.

Ah, “peça de arremesso” é o pedido inicial e “pretório excelso” é o STF em juridiquês.



A TRADUÇÃO

Senhor Juiz de Direito da Vara dos Crimes Puníveis com Detenção da Comarca de Beira do Brejo, Estado de Coma

JOSEPH DO MOLINETE, casado, empresário, CPF 1023.4056.7080-90, [email protected], residente e domiciliado na avenida Champs Elysées, 8º quarteirão, bairro Hamptons, Beira do Brejo/EC, com base no artigo 44 do Código de Processo Penal, por seus advogados, apresentar

QUEIXA CRIME DE INICIATIVA PRIVADA

contra JOHN DOS STEPS, união estável, produtor rural, CPF 3094.8762.1540-21, [email protected], residente e domiciliado em lugar incerto e não sabido, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

1. DOS FATOS

1 – A inicial trata do patrimônio construído pelo peticionário desde solteiro. Porém, deve ser buscado o autor das ofensas para garantir o que o legislador criou para impedir a morte simultânea da moral e da honra. Nem é preciso entender muito de Direito para notar que o desprezível falastrão, talvez a mando de quem vive à custa do erário, mancha a reputação da vítima e de sua esposa. Os crimes ocorreram em local público, o restaurante do casal.

2 – O ofensor é acostumado a espalhar presencialmente fake news sem qualquer fundamento. A controvérsia vazia que lhe interessa, está claro, é lucrar com a tristeza alheia.

3 – O futuro réu, sem motivo aparente, critica os bens do casal, iludindo quem o ouve e acha que isso é verdade. Torna-se vital afirmar que ele almeja a falência da vítima e enterrar o prestígio com que é recebida nos lugares.

4 – A pretensão de punir o autor de crimes contra a honra tem seu argumento firme na Constituição Federal, que protege a imagem e a intimidade das pessoas.

5 – Dorminhoco e preguiçoso, o desrespeitador bombardeia quem trabalha, que é o caso da vítima, daí o enfrentamento a essa sua maior virtude. Enquanto isso, o detrator arrogante descansa o ano inteiro, sai ano, entra ano.

2. DO DIREITO

6 – O Código Penal, em seus artigos 138 a 140, disciplina acerca de calúnia, injúria e difamação, os crimes sofridos pela vítima em seu restaurante.

Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

7 – Foi exatamente o que o criminoso disse à vítima em sua empresa. As provas são muitas (evento 171), com sua própria voz e rosto, acusando de tentativa de feminicídio contra sua mulher. Sem dúvida, uma calúnia absurda.

8 – Joseph do Molinete jamais atentaria contra aquela que, em vez de bens do marido, robusteceu o patrimônio do casal com gado, imóveis e outros itens herdados de sua família, além de saldar passivos do então noivo.

9 – O difamador atentou também contra outro artigo:

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

10 – O que o ofensor disse no restaurante, certamente, atingiu a vida particular da vítima, que ouviu inclusive acerca de seu desempenho a dois com a esposa. Outra mentira é que não teria como gerar os filhos de ambos. Os frequentadores do restaurante que estavam ali naquele momento entenderam, e essa era a meta do difamador, que o peticionário foi traído por sua mulher.

11 – Além de palavras, usou gestos junto ao dorso da vítima para constrangê-la. Aproveitou um momento em que estava indefesa, saboreando de pé a sobremesa, e chegou a tocar seu corpo de forma acintosa. Dessa maldade também trata o CP (Código Penal):

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

12 – A Constituição da República é chamada de Cidadã justamente porque, na íntegra, assegura o direito de as pessoas comuns fazerem tudo o que não é proibido pela lei, inclusive comer à vontade em seu restaurante, em paz.

3. DOS PEDIDOS

13 – Requer-se audiência de conciliação (art. 520 do Código de Processo Penal) e, sendo impossível, a condenação no máximo das penas previstas nos artigos 138, 139 e 140 do CP.

14 – Com base no artigo 387, 4, do CPP, pede que o ofensor seja condenado a pagar custas processuais e honorários dos advogados.

15 – Como o autor está foragido, a vítima requer que, em caso de prisão, não seja concedida fiança.

16 – Em anexo, os recortes de leis e análises doutrinárias que dão suporte a esta peça, além das provas.

17 – Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (1 milhão de reais).

18 – Nesses termos, pede deferimento.

Assinaturas.

Nº de inscrição na OAB.