Poucos meses antes de o Catar sediar sua primeira Copa do Mundo, e esperando que a porta-bandeira do país sirva de transporte para muitos dos times e torcedores que lá chegarão, pilotos da empresa se dizem preocupados com os riscos que os voos – alguns com mais de 18 horas de duração – poderiam gerar.
Erik, um primeiro oficial – que usou um pseudônimo para evitar retaliação – disse à agência de notícias Reuters que “adormeceu durante a descida com 400 passageiros a bordo” após um voo de 20 horas. O avião pousou sem incidentes em Doha, a base de operações da companhia aérea do Catar.
“Você não pode fazer nada para evitar isso. Seu corpo está clamando por descanso. Você sente dor no peito e não consegue manter os olhos abertos”, acrescentou o tripulante. “Estamos sobrecarregados e cansados, mas nunca fiz uma denúncia para evitar ser alvo e retaliar.”
Como relata a Reuters, em 2020, a Qatar Airways demitiu cerca de 20% de sua força de trabalho e em 2021 cortou outros 27%. Enquanto a companhia aérea reduziu sua lista de destinos para 33 cidades em 2020, aumentou novamente para mais de 140 em 2021. Os pilotos disseram que, para gerenciar esses novos voos com uma equipe menor, a companhia aérea estava subestimando as horas de trabalho.
Seis outros pilotos apoiaram as alegações do primeiro-oficial, acrescentando que as horas de trabalho da companhia aérea os estavam esgotando e os gerentes se recusavam a dar-lhes descanso suficiente. Muitos nem mesmo enviaram relatórios de fadiga por medo de retaliação. Outros disseram que seus relatos “foram simplesmente ignorados” ou que, apesar do descanso, não era compatível com o tempo trabalhado.
O tempo não passa igual para todos
Como lembra o site parceiro Aviacionline, as tripulações em voos de longo curso são geralmente compostas por dois pilotos principais e um ou mais pilotos de “reserva”, que os aliviam durante as diferentes fases do voo. Geralmente, os reguladores contabilizam as horas de voo desses pilotos de reserva da mesma forma que fazem para os pilotos ativos. Por exemplo, se o voo durar quatorze horas, todos os pilotos computarão quatorze horas de voo para receber o descanso adequado.
No Catar, as coisas são feitas de forma diferente: o manual de operação da companhia aérea afirma que, para contabilizar as horas de descanso, as horas “inativas” durante o voo não contam como tempo de serviço.
“Eles contam as horas de uma maneira diferente. Quando eu era o ‘terceiro piloto’ meu papel era controlar os pilotos que estavam voando, então eu estava tão ativo quanto eles e trabalhando 100%”, explica Erik. No entanto, esse tempo não foi contado como tempo de serviço. “Como resultado, de um voo de uma hora e 33 minutos, apenas três minutos contaram para o meu limite de voo”.
Para evitar que a fadiga tenha repercussões na segurança operacional, as empresas costumam aplicar sistemas de gerenciamento de risco de fadiga (FRM) para garantir o descanso adequado entre os voos. Na empresa do Oriente Médio isso parece letra morta, diz a Reuters.
“Dois colegas somaram, apenas nas duas primeiras semanas de janeiro, 115 horas de serviço. O limite de acordo com o manual da companhia aérea é de 100 horas a cada 28 dias”, disse o piloto.
Não é um problema apenas no Catar
Um estudo de 2018 descobriu que mais de dois terços dos pilotos de companhias aéreas do Golfo estavam “severamente fatigados”. O pesquisador-chefe Tareq Aljurf observou que os pilotos severamente fatigados “eram mais propensos a sofrer de depressão”.
“Claramente, este é um grande problema de segurança, tanto para tripulantes quanto para passageiros”, disse Isobel Archer, do Business and Human Rights Resource Center.
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